Ponte Aérea lança sua sinopse para o Carnaval Virtual 2016

“CORDAS DE AÇO”

SINOPSE

Minhas cordas amarraram o tempo
Revelando o som do povo.
A vida me dedilhou, transformando em notas a sua história
E ao passo em que caminhei, novas formas ganhei
Sem ter certeza, ao mesmo, de onde me originei
Pois sou peregrino, aventureiro,
Mas acompanho a trajetória de quem me leva nos braços,
Transformando em música os próprios passos.

Meu som banhou os rios
Em cujas margens um império surgiu
Estaria na cantoria da Babilônia
Em cerimônia, na lira grega sutil.
Vibraram-me com penas, tocaram em caças.
Embalando caminhadas árabes e conquistas pela Europa
Com o tempo, ganhei mais cordas.
Virei alaúde e depois viola
Entoando trovas ou por vocação religiosa.

Por iluminuras, desenhos ou pinturas
Registraram minhas formas
Como guitarra “renasci”,
Passei a ser incorporado na cultura e na memória
No luxo da corte, do popular ao erudito.
Nas missões de jesuítas, musicando a história de Cristo
De portugueses e espanhóis, nos navios em busca de novas histórias.

Um cordel no novo mundo
Ganhei outros rumos, mais um olhar
Chorando o folclore cantado à luz do luar
Por sertões, acompanhando sanfonas
Serestas e lundus, um Brasil musicado
Nas cantorias de ciganos andarilhos
Que ao país chegaram
Não eram senhores, nem escravos
Apenas cantores largados ao destino
Em trabalhos menores, sem local onde ficar
Nos guetos da Pequena África foram cantar
Acompanhados do batuque
De quem um também dia sua terra teve que deixar

Por rodas de samba e modinhas
Embalando canções.
Passando por movimentos e gerações
Venci o asfalto, avenidas e desfiles
Subi o morro carregado nos braços
De meu poeta amigo
Que conversava com as rosas e comigo
Pra falar de amor
Me abrançando em seu peito, me dando calor
E deixando-me ouvir o som do coração
A canção da vida, a voz de um violão.

Pesquisa: Gabriel Mello e Guilherme Estevão

JUSTIFICATIVA

“Ouço outra vez aquelas notas. Os sons que me levaram pela vida, querem me levar ao passado. Eu cruzo as portas do tempo em busca do que há entre linhas. As partituras se dividem como o tempo. Início, meio e fim; amarrados pelas cordas doces e embrenhados nos fatos.
Vou além dos tons e do eco, nos contratempos que me levam rumo à memória do meu violão”.

A história do violão remonta a própria história da humanidade. Descendente dos instrumentos de cordas primitivos, nosso companheiro é famoso por vocação e autoridade musical por direito.

Os primeiros registros de Instrumentos de cordas, impressos nas pedras, remontam o cenário dos Rios Tigre e Eufrates, onde a mesopotâmica Assíria se ergueu. Acompanhando os cânticos divinos da Suméria ao Sul e as celebrações Babilônicas ao Norte, os portadores do som ornamentavam deuses alados e debruçavam nos braços em mulheres nuas. Mais além, as harpas egípcias com seu formato de arco e suas cordas feitas das entranhas dos animais, alegravam as cerimônias dos faraós no Egito e traziam a esperança de caça advinda de Neith.

Ao leste, sitares tocados com penas de pavão traziam a harmonia necessária. Segundo as crenças indianas, a calma vibração imitava a ressonância da vida. Sobre o Mediterrâneo, as liras ambientavam os clássicos da literatura grega, levando os poetas ao estado máximo de criatividade no desenvolvimento de suas odisséias. Um pouco ao Oeste, ornadas com rosas, as fidículas faziam a trilha sonora para os causos da corte romana, que despertavam fascinação entre os tipos populares da plebe. Entre todos os grandes povos, na Arábia Antiga, os alaúdes acompanhavam os mouros viajantes, guerreiros por natureza e ávidos por conquistar novas terras.

Seguindo o extinto expansivo dos árabes, o alaúde incorporou as características de seus primos do norte da áfrica e quando chegou às terras espanholas na Batalha de Guadalete, encontrou facilidade para se difundir e transformou-se outra vez. Formado então o Emirado subordinado ao Califado de Bagdá, ele se misturou aos instrumentos nativos e originou a Guitarra Mourisca.

Isolada do restante da Europa pela dominação, a Espanha se abriria novamente para o mundo após a reconquista Cristã. A partir daí, a mistura de suas guitarras mouriscas com as guitarras latinas, derivadas dos demais instrumentos de cordas Greco-Romanos, faria nascer nas catedrais de toda Europa e nas mãos dos trovadores o que seria chamado em português de Viola.

A tendência a valorização das artes, iniciada no século XVI, inspira o primeiro artigo sobre o instrumento que se tem conhecimento. Sob o titulo de “El Maestro”, de autoria do compositor renascentista valenciano Luis de Milan, a obra marca o reconhecimento intelectual do instrumento.

Com o auge do Renascimento, a viola se transforma em violão. Embalando fantasias, pavanas, sonetos e vilancetes, o instrumento inaugura um período de riqueza musical efervescente e modernização dos estilos musicais. De vasto alcance popular, logo se espalha pelas festas camponesas e ganha o apreço da corte, sendo consagrado nos retratos da corte francesa e nas peripécias de Luiz XV.

Ganhou, então, as famosas escolas de música da Áustria e viaja para o Leste Europeu nas mãos dos ciganos. Chega ao novo mundo sob as vestes dos jesuítas em suas missões e no Nordeste do Brasil finca suas raízes em meio aos centros urbanos e cancioneiros populares, naquele que seria o embrião do Cordel.

Com a expansão nacional, o violão passa a ser utilizado na cultura folclórica da caatinga e nos ponteios caipiras dos sertões centrais. Chegou às terras mineiras orquestrando os requebros negros dos Lundus e desbrava as ruas de uma velha São Paulo entre os versos das serestas cantadas ao Luar. No Rio, a essa altura capital, acompanha as modinhas da corte e ganha o centro da efervescente e maravilhosa cidade.

Por meio de China – irmão de Pixinguinha – e Tute, o violão se integraria ao choro. Os dois companheiros tomaram conhecimento do uso do instrumento nos batuques ao assistirem uma festança na casa de Tia Ciata. O instrumento foi introduzido nas festanças por ciganos advindos de comunidades russas do centro do Rio de Janeiro que povoavam os cortiços da Praça Onze e interagiam com os negros e nordestinos da Pequena África.

A partir daí a história efervesceu. Incorporado ao samba que nascia e suas vertentes, o violão foi reivindicado pelos modernistas como parte da identidade nacional. Virou nome de revista e personagem de literatura.

Abraçou-se a Bossa-Nova e caminhou cheio de voz no apelo dos tropicalistas. Um banquinho e um violão. E volução e simplicidade. Contador de enredos em muitas folias e guetos. Amante do amor e da dor, da alegria e da decepção. Hoje o violão tem contadas as suas memórias por aquele que usou dele para eternizar memórias. Companheiro de Cartola, primo de banjos e cavacos. Cordas de Aço que unem o Samba e o Carnaval, como se unem o Morro e o Asfalto.

“Ah, essas cordas de aço
Este minúsculo braço
Do violão que os dedos meus acariciam
Ah, este bojo perfeito
Que trago junto ao meu peito
Só você violão
Compreende porque perdi toda alegria
E, no entanto meu pinho
Pode crer, eu adivinho
Aquela mulher
Até hoje está nos esperando
Solte o teu som da madeira
Eu você e a companheira
Na madrugada iremos pra casa
Cantando…”.

Author: Netto

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