Bohêmios divulga sua sinopse para o Carnaval Virtual 2016

“Malunguinho me abra os trabalhos
Malunguinho me abra a mesa
Malunguinho me abra os trabalhos
Malunguinho me abra a mesa
Quero um ponto para esta casa
Quero um ponto de defesa
Quero um ponto para os discípulos
Quero um ponto de defesa.
Sobonirê mafa Malunguinho”.

Por Mestre de Jurema Claudio de Oliveira

 

Na época da luz, quando ainda não era colônia de ninguém, as terras brasileiras já irradiavam encantaria. Malunguinho, rei da luz, já guiava os caminhos de quem dele se socorria. Os índios, legítimos primeiros habitantes, cultivaram uma liturgia verde, que se valia de frutas, ervas, cipós, tudo que a natureza oferecia, para mantê-los em contato com o sagrado, consolidando a matriz do que aprendemos a chamar de fé neste país. Assim, no plano dos encantados, a luz do Adjunto da Jurema, seguindo o mesmo caminho da luz do sol, se faz presente. Responde a cada invocação, através da chama de velas, da fumaça de cachimbos, do badalar dos caxixins, surgindo em nossas vidas esperanças, desembaraços e vitórias em todos os caminhos.

Quilombo – centro da glorificação da liberdade tão sonhada e conquistada por luta, sangue e lágrimas. Reunião dos irmãos, que, entregues à dor, acharam em seu refúgio o alento tão sonhado e querido para a derradeira redenção. Um congraçamento de várias pessoas, independente de etnias, respeitando as diferentes manifestações de fé. Nas terras pernambucanas, Quilombo do Catucá, uma dinastia de bravos guerreiros, lutavam e lideravam seu povo pela libertação dos escravos sofridos e todos que padeciam pelas elites. Tornaram-se conhecidos por Rei Malunguinho (que significa camarada no dialeto malungo).

Malunguinho defendia os interesses da liberdade dos irmãos negros, que viviam nas senzalas, liberdade de expressão contra a tirania da coroa portuguesa e a melhor distribuição das terras, para quem nada possuía. Por sua bravura na libertação, dizia a todos que possuía uma chave mágica que abria todas as correntes, destrancando os grilhões.

Reza a lenda que quando o exército invadiu o Quilombo do Catucá, o último dos Malunguinhos, João Batista foi ferido, mas não capturado. Conseguiu se esconder na floresta, onde foi resgatado pelos índios, curado pelo poder das ervas e a sabedoria indígena. Desta forma, a soberania da essência negra com a cultura indígena despertava a magia da ciência mística Jurema.

Malunguinho, então, aparece dentro da linha da Jurema como o principal vulto de seu culto. O contato de Malunguinho com a sabedoria indígena alcança sua finalidade espiritual, tornando-se o guardião de sua chave. Libertos os cativos, guia-os em direção à luz para seguirem firmes em seu caminho. Toma conta desses caminhos, com a responsabilidade de destrancar as estradas, sendo ele o desbravador na linha da Jurema e fazendo a ligação entre o mundo dos vivos e os ancestrais da floresta.

No culto da Jurema, Malunguinho é uma entidade de grande poder, que se manifesta de três formas distintas. Malunguinho tem esse poder do Exú, que representa o mensageiro, abrindo os caminhos, sendo o elo de ligação entre a Jurema e as pessoas. Além de ser o questionador, que fomenta a discussão. O caboclo quando traz o conhecimento indígena, toda ritualística com as folhas, as plantas, com a natureza. Mestre, quando traz o conteúdo de conhecimento, de gerenciar uma seara, determinar caminhos, soluções para determinados problemas que o ser humano enfrente cotidianamente. “Malunguinho é uma entidade que fala pouco e não demora muito quando incorpora. Suas palavras são meio truncadas, como uma criança falando e a língua mistura português com outro idioma”.

Malunguinho assumiu a missão que lhe fora reservada pela Força Superior, ser o Adjunto da Jurema. Cumpriu sua missão de ser Mestre e Libertador, não apenas libertando os escravos presos na senzala, mas um libertador de espíritos aprisionados no cativeiro espiritual da ignorância e ilusão.

A Jurema antecede a chegada dos portugueses, um rastro da cultura tupi. É um culto presente em variações religiosas como o catimbó e a umbanda. Caracteriza-se pela tomada de corpo por entidades espirituais, como mestres e caboclos. Das raízes e cascas da planta jurema é produzida uma bebida, o vinho da jurema, consumida ritualmente durante o culto. A mata é a fonte do poder e mística da Jurema. Antes de começar as cerimônias, o grupo pede proteção a Malunguinho. “O povo pega um herói popular, que existiu de verdade, guerreiro, líder dos negros e o coloca no Olimpo das divindades. Subir ao panteão das divindades é, talvez, a maior homenagem que um povo pode prestar aos seus heróis”. Os rituais acontecem com as oferendas sendo colocadas no altar dedicado a Malunguinho, são abençoadas através da fumaça e a gira dos Mestres da Jurema.

A louvação a Malunguinho representa a inclusão de personagens negros, históricos de fato, como grandes heróis, como Zumbi dos Palmares. Um momento de agregação, trazendo a comunidade dos terreiros ao espaço legitimado de coparticipante da história do Brasil, fugindo dos estereótipos impostos pela minoria dominante que marginalizava os líderes negros. Malunguinho, em seu cosmos, vivo na alma do povo da Jurema, é o alicerce para estas populações sobreviverem a violações de direitos humanos, racismo e intolerância religiosa existentes em nossa sociedade.
“Donos da escrita, historiadores da elite tentaram reduzir a trajetória do povo negro aos documentos conhecidos, mas a oralidade rasgou o tempo, mesmo com todas as chacinas, perseguições da nossa religião. As palavras escritas continuam servindo ao lado mais branco desse pais, por isso não escreveremos esse título e essa terra, ao menos dessa vez, vai continuar preta”.

Sobô Nirê Mafá!
Obrigado senhores mestres e índios de minha Jurema.

Salve a fumaça!

Author: Netto

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