Conheça o enredo do GRESV Apoteose para o Carnaval Virtual 2017

UMA HISTÓRIA DO PESCADOR QUE NÃO SABIA PESCAR

Autor: João Carlos Martins

JUSTIFICATIVA

O G.R.E.S.V. Apoteose visa à valorização dos personagens brasileiros que contribuem culturalmente para o nosso país. Foi com esse pensamento que homenageamos as baianas no carnaval passado e conseguimos o acesso ao Grupo Especial. Para o carnaval de 2017, temos a honra de exaltar outra figura típica: o pescador. Além disso, prestaremos uma homenagem ao cancioneiro da Bahia e carioca de coração Dorival Caymmi – o pescador que não sabia pescar.

Caymmi era um apaixonado pelo mar e pelos homens que dele viviam desde quando foi veranear em Itapuã aos 17 anos. Expressou essa paixão em diversas obras que ganharam o Brasil e o mundo. Em uma delas, “História de Pescadores”, Dorival narra o dia a dia do pescador em seis partes: sua ida ao trabalho com a jangada, sua esposa se despedindo, sua luta contra o temporal, sua família angustiada a sua espera, seu lamento pelos companheiros que se entregaram às águas e seu trabalho recomeçando no dia seguinte.

Em nosso enredo, pedimos licença para utilizar essa grande canção como pano de fundo para que o próprio pescador conte seu dia. O pescador escolhido foi o próprio Dorival Caymmi. Apesar de não saber pescar e nadar, o cancioneiro que tanto admirou os homens da pesca e os interpretou nas suas músicas, incluindo a citada, tem alma de pescador. A jangada da Apoteose vai sair pro mar!

INTRODUÇÃO

O mar quebrando na praia é uma imagem que ficou na minha cabeça desde Itapuã. Meu pai me contava histórias, ele era outro apaixonado. Mas foi em Itapuã que fiquei fascinado. A família do Senhor Lisboa alugou uma casa de pescadores lá durante as férias e me convidou. Eu fui. Que paraíso! Minha vontade era de todo dia estar lá debaixo do coqueiro, deitado na cama de lona, admirando os pescadores pegando suas jangadas e saindo pra pesca.

Acontece que eu sou baiano e baiano quando se apaixona… Assim fui eu com o mar. Estar nele era meu sonho. Eu sempre quis ser pescador, mas nunca soube nadar nem pescar, acredita? João Valentão um dia me convidou e eu fugi. Ele ficou irado de raiva e eu saí correndo. Fiz outros amigos pesqueiros também, até de Copacabana, onde morei a maior parte da minha vida.

Mas quando eu cantava, eu me sentia o próprio pescador. De tanto imaginar, hoje sou eu que vou pro mar, pra minha grande paixão. Meus amigos me pescaram e dessa vez não tenho como fugir.

PARTE I: “CANÇÃO DA PARTIDA”

Vejo os primeiros raios de Sol fazendo reflexo nas águas cristalinas. A areia molhada, batida, limpinha. Tudo é uma sedução pra quem é apaixonado pelo mar. Eu e meus companheiros pegamos nossas jangadas, as redes de pesca. Levamos no coração o amor pelo trabalho e pela família que deixamos na terra a nossa espera. É hora da partida.

“Vou trabalhar, meu bem querer.” – digo a minha esposa.

Preciso trazer o peixe pra casa, é o sustento da família. Tenho fé que tudo vai dar certo, se Deus quiser.

Levanto a vela da jangada e vou. Vou para o mar. Vou para o peixe.

PARTE II: “ADEUS DA ESPOSA”

Despedida sempre é triste. No nosso caso de pescador, não é diferente. Deixar minha esposa na terra enquanto eu parto na jangada é doloroso. Me recordo do último beijo que ganhei e olho pra trás. Minha mulher ao longe balançando o braço. Tento ler os mesmos lábios que me beijaram: “Adeus, adeus”.

Meu amor me pediu para que eu não me esqueça dela. Ainda prometeu uma cama macia na minha volta. Já sinto o cheiro do alecrim.

Ela sabe dos encantos de Yemanjá. Sabe que o maior é um traidor. Sabe que nosso trabalho é árduo e é preciso de muita coragem. É por ela que eu sigo minha jornada na jangada, enquanto ela reza em nossa casa pra viagem ser abençoada.

PARTE III: “TEMPORAL”

Já é meio dia quando o vento vira e o tempo muda. Já pesquei alguns peixes, meus amigos também. Agora ficou difícil. Esse vento forte é perigoso, é o nosso maior inimigo. O mar fica mais bravio, os peixes se escondem. A jangada balança cada vez mais.

Ouço palavras ao vento. Vendavais trazem o grito de nossas mulheres à beira da praia: “Cadê vocês, homens de Deus?”. Elas estão preocupadas e com razão. Esse imprevisto em forma de temporal rasga a vela da jangada, põe minha vida em risco. Bem que a mulher de José disse para ele não ir.

PARTE IV: “CANTIGA DA NOIVA”

Em meio ao temporal, me pego imaginando minha esposa na terra. Não sei de drama mais poderoso do que o das mulheres que esperam nossa volta. Uma lágrima escorre. A dor no peito é tamanha. Tenho uma família pra sustentar. Como minha mulher deve estar?

Me vem a imagem dela em nossa casa, agoniada, me esperando. Parece que já a vejo olhando pro céu, pedindo aos céus. Deve estar raivosa com o mar. Tão só. Assim como eu aqui no meio dessas águas bravias. A lágrima que escorre lá, também escorre aqui.

PARTE V: “VELÓRIO”

Nós, pescadores, vamos ao mar não só por necessidade. Vamos porque amamos. É doce estar aqui. É doce ficar aqui.

Yemanjá me chamou. Fui fazer minha cama ao lado da rainha. Agora também sou um rei. Entrei no paraíso. Aqui tudo é mais lindo! Estou sempre onde quis estar. Estou no mar. Estou no peixe.

Mulher, não se sinta traída, seu homem está feliz.

Companheiros, até o dia de Juízo.

PARTE VI: “NA MANHÃ SEGUINTE”

A vida do pescador é um ciclo. Uma rotina diária. Ele volta quando o Sol se põe pra no outro dia sair quando o Sol também sai. Quiseram meus companheiros fizer diferente.

Eu não voltei pra terra junto deles. Mas daqui posso ver o que fizeram nos dias seguintes. Foram pescadores, família, amigos, conhecidos e até gente que nem conhecia, mas que acredito terem alguma simpatia por mim. Resolveram fazer minha cama também na terra. Me eternizaram.

Me vi fincado em Itapuã, lugar onde tudo começou, e bronzeado na orla mais famosa do mundo, perto da vila dos pescadores, onde passei grande parte da vida.

Agora sim. Estou na terra. Estou no mar. E a Deus do céu vou agradecer.

Obrigado.
Dorival Caymmi,
por João Carlos Martins.

Author: Netto

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