Conheça o enredo do GRESV Bohêmios Samba Club para o Carnaval 2018

GRESV BOHÊMIOS SAMBA CLUB
Hoje tem sambada! A Bohêmios anuncia, no galope da pisada, segue o banco no baião, levanta a poeira na roda, que o Cavalo Marinho, meu povo, vai além da madrugada!

Justificativa:

A Bohêmios Samba Club se notabilizou por trazer enredos culturais extremamente ligados às tradições populares do País. Em 2018, mais uma vez, investiga os sertões do Brasil em busca de manifestações ainda pouco celebradas ou praticamente desconhecidas. Assim, conseguimos dar voz aos mantenedores das tradições populares, fortalecendo cada vez mais a identidade de nosso povo e, porque não dizer, ajudando o Brasil a conhecer a si próprio!
Desbravando as festividades populares nordestinas, apresentaremos mais uma vez na passarela virtual um espetáculo repleto de brasilidade das mais profundas raízes da cultura popular: a brincadeira denominada “Cavalo Marinho”, que é uma tradição de ciclo natalino e de homenagem aos Santos Reis, que envolve a dança, a música, o teatro popular de máscaras, a poesia, o canto, o ritual e a louvação! Com linguagem própria, e misturando elementos da cultura afro, da cultura ibérica e da cultura indígena, trata-se de uma expressão transmitida tradicionalmente de pai para filho, para contar um emaranhado de histórias do cotidiano real e imaginário do universo canavieiro.
Atualmente, existem aproximadamente 12 Grupos de Cavalos Marinhos em atividade, localizados na Zona da Mata Norte de Pernambuco, e no Município de Pedras de Fogo, na Paraíba. Os grupos se apresentam durante a noite, e os rituais têm, em média, de 06 a 08 horas de duração, finalizando na manhã do dia seguinte. No decorrer das apresentações, cerca de 76 personagens das categorias Humanas, Fantásticas e Animais são apresentadas para o público. Em 03 de dezembro de 2014, a Brincadeira foi reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
Assim, neste cenário, a Bohêmios Samba Club se faz brinquedo e cavalga na beleza e na riqueza dessa história, desvelando um precioso mundo, em que realidade e fantasia não cansam de se entrelaçar!

Sinopse:

1 – Pôr do sol no canavial – Do giro da moenda à usina do cortador. Deixo o lamento na estrada, pois no galope da pisada eu sou mais é brincador!

“Corto cana, amarro cana,
Dou três nós de amarradia
Foi você quem me ensinou
a namorar que eu não sabia.
Corto cana, amarro cana
Dou três nós de amarrá
Foi você que me ensinou
Meu benzinho a namorar”.
– Toada pra cortar cana – Cavalo Marinho

Sobre o vasto canavial, brilham os últimos raios de sol do entardecer. O dia se despede e, aos poucos, a noite vai se insinuando acima do imenso tapete verde. Pela estrada, voltam para casa os cortadores… Mãos calejadas! Exaustos da árdua tarefa diária de plantar, cortar, amarrar e carregar a cana… O vento farfalha a longa folhagem que os cercam e, ao longe, forma um verdadeiro mar de cana, que se renova em plantio há centenas de anos, praticamente enraizado sobre o mesmo lugar desde o tempo dos escravos, os antepassados dos cortadores…
Longe do roçado, já na vila de trabalhadores, um grito se faz ouvir por toda a comunidade: “Hoje tem sambada!” É o mestre reunindo os pareias de trabalho e de folia, para que, mesmo diante do cansaço, deixem o lamento de lado e se organizem para mais uma brincadeira! É hora de Botar Figura! Trocar a poeira dos velhos uniformes pelo mágico brilho das fantasias! Vida e a arte vão se misturar e já não é mais possível, e nem preciso, definir onde começa uma, e onde termina a outra!

2 – Noite adentro no compasso – Na fazenda do Marinho, prepara-se o baile no baião, levando a toada na roda, no traço do folgazão!

“- Pronto, Capitão! O senhor me chamou pra quê?
– Não, porque aqui tem um serviço pra tomar conta desse sítio aqui, dessa população aqui e dessa festa. Pra tomar conta e dar conta.
– Disso tudinho, é?
– É, Mateus!
– Capitão, eu tomo conta e não dou conta!”
(Diálogo entre Mateus e Capitão, Cavalo Marinho Estrela de Ouro, Condado – PE, 2002,
Registrado por Érico Oliveira)

A negra noite já toma conta de toda a cidade e, na magia dessa escuridão, amontoa-se o povo no terreiro para ver, na brincadeira, as primeiras figuras que adentrarão a roda… Começa o ritual! Brincadores e público se entregam à magia da sambada! A praça, então, transforma-se na fazenda imaginária do Capitão Marinho, e ele surge montado em seu cavalo contratando os nêgos Mateus e Bastião para cuidar de sua propriedade e ajeitar o baile em honraria aos Santos Reis do Oriente… O Capitão parte em viagem e confia a fazenda aos nêgos trapalhões. Mateus e Bastião tomam conta e não dão conta! A arruaça está formada!
Diante da zoada, entram em cena uma série de Figuras representativas dos tipos sertanejos do interior nordestino, como Valentões, Bêbados, Vaqueiros, Verdureiros, Soldados, Serradores, e tantos outros Manés da vida, enfim, a imagem dos que formam a própria comunidade… Máscaras, caretas, trejeitos e cacoetes compõem as apresentações e reforçam a representação dos personagens… O público se reconhece na pele das Figuras e corresponde com palmas e muito riso! Totalmente entregues à sedução desta noite tão diferente das outras que se seguiram ao longo do ano inteiro.

3 – Alta noite na Brincadeira – Levanta poeira no trupé, firma o banco na batucada, baila a fita colorida, no encanto da loa sagrada!

“Boa noite povo todo
Como vai como está
Boa noite povo todo
Como vai como está
Eu cheguei nessa ribêra
Vinhe bincar com Arubá
Ôlê ôlê, ôlê ôlê ôla
Eu vii passá
Caboco de Arubá
Eu vii palá
Caboco de Arubá”
(Versão do Caboclo de Arubá do Cavalo Marinho Estrela de Ouro de Condado – PE. Transcrição de Fábio Soares)

A noite avança e, com ela, mais animação e encantamento! Retorna de viagem o Capitão Marinho, trazendo para o baile as Damas e a Galantaria, que logo iniciam a dança dos Arcos, bailando no ar as fitas coloridas em devoção a São Gonçalo do Amarante. O baile esquenta! O Banco capricha no baião e os brincadores respondem no trupé! A partir daí, o terreiro se torna um verdadeiro salão! É tombo, é carreira, é tesoura é rasteira! Uma série de passos característicos levantam poeira na roda, mostrando a agilidade dos movimentos do brincador, que antes de qualquer coisa é um trabalhador da terra, e sabe como ninguém se comunicar com ela!
Na levada da brincadeira, vigor e rapidez dão, agora, espaço à leveza da mítica figura que adentra o terreiro… É o Caboclo de Arubá! Entidade do culto da Jurema Sagrada que surpreende a todos com sua apresentação, cantando e dançando no centro da roda e rolando sobre vidro quebrado sem se cortar!… Brincadeira também é lugar de louvação! Finalizando as honrarias, os brincantes celebram a hora da estrela, que simboliza a presença de Jesus Cristo na Brincadeira! É a mítica religiosa popular equilibrando os segredos que ligam a terra, que lhes provém o alimento e o sustento; e o céu, que lhes garante a força para continuar!

4 – Além da madrugada – Tem mistério no terreiro. Fartura e alegria pra todo pareia! E o Cavalo Marinho já vai indo na carreira!

“Para a prima Maria que mora na Bahia,
a tripa gaiteira é da moça solteira,
do boi o figo, isso é comigo!”
– Toada da divisão do Boi – Cavalo Marinho

No auge da madrugada, os mitos do imaginário canavieiro ganham forma e aparecem para brincar. Como se saísse das sombras, o irreal ganha vida e se personifica na sambada! Surgem, então, as figuras dos seres irreais e sobrenaturais; alguns de tom humorístico, como bonecos em pernas de pau; outros de tom medonho, como assombrações, em longos tecidos com caveiras de animais… Divididos entre a atração e o medo, o público contempla curioso a face oculta da brincadeira.
Já nos últimos instantes da escuridão da noite, espalham-se pelo terreiro a Bicharia!… Animais de todo tipo invadem a fazenda e apresentam suas Figuras… Macacos, Burras, Ursos, Emas, Onças, Sapos, Cachorros e Urubus… Admirado, o Capitão Marinho observa orgulhoso o seu bicho preferido, o Boi! Bravo que só, permite apenas que o nêgo Mateus se aproxime, pois só este tem as manhas para lhe deixar manso… Mas no descuido da brincadeira, Mateus acaba ferindo o boi, deixando em desespero o Capitão, que rapidamente manda chamar o Dotô da Medicina… Após o exame, Dotô constata que não há mais o que fazer, e recomenda dividir a carne para todos os presentes… Mas, após a divisão, milagrosamente, o Boi ressurge!! Garantindo fartura e alegria para todos os presentes!

5 – Novo dia se anuncia – No encalço da estrela, a luz brilha é pra cá. E a Brincadeira, meu mestre, tem que continuar!

“Que estrela é aquela que alumêia lá do mar,
Que alumêia lá do mar
É o divino Santos Reis, que nós viemos festejar,
Que nós viemos festejar
Que estrela é aquela que vem lá parte do Norte,
Que vem lá parte do Norte
É o divino Santos Reis que vem nos dar boa sorte,
Que vem nos dar boa sorte
Santos Reis do oriente nós viemos festejar,
Nós viemos festejar…”
– Cântico aos Santos Reis do Oriente

No horizonte, o sol já começa a surgir… Público e brincadores se misturam por completo em confraternização. É o fim da apresentação! A barra do dia já vem quebrando, e o Cavalo Marinho vai indo embora, mas a Brincadeira não acaba e nem pode acabar!
A sambada da noite que se passou, revigorou os cortadores para a nova jornada na lida da cana que a luz do dia anuncia e o calor do sol faz lembrar… Brincadores voltam ao trabalho com a fé renovada nos Santos Reis do Oriente, e que a estrela que os três Magos tanto perseguiram guie os brincantes na preservação da própria cultura, para que o Cavalo Marinho não deixe nunca de brincar!!
Manter viva esta brincadeira é, também, resguardar as tradições e a memória da comunidade no qual está inserida, respeitando a identidade cultural do artista popular, mantendo suas características originais, para que as futuras gerações possam ter contato e, junto dele, brincar, pois Cavalo Marinho se aprende é brincando! E a brincadeira, meu mestre, tem que continuar!!

Glossário:
Baião – Ritmo e Gênero musical característico da brincadeira

Banco – Conjunto de Músicos instrumental e vocal

Brincadeira/Brinquedo – Festa/Teatro/Auto/Folguedo/Dança/Jogo

Brincador ou Brincante – Ator/dançarino da brincadeira

Bichos, Bicharia ou Bicharada – Figuras que representam os animais

Botar Figura – Encenar/representar um personagem

Capitão Marinho – Representa o latifundiário, dono da fazenda. Sua montaria dá nome ao brinquedo.

Carreira – Passo de dança do Cavalo-Marinho

Figura – Personagens da brincadeira

Figureiro – Ator que encena os personagens (figuras)

Folgazão – Participante da brincadeira

Galantaria – Grupo de participantes que dançam com os arcos e representam a família do Capitão Marinho

Galante – Membro da Galantaria

Galope – Passo mais rápido do cavalo

Loa – Poesia cantada

Mateus e Bastião – Negros trapalhões que representam o trabalhador do campo

Mestre – Quem comanda e organiza a brincadeira (E bota a figura do Capitão Marinho)

Pareia – Parceiro/Companheiro

Pisada – Passo de dança do Cavalo-Marinho

Rabeca – Principal instrumento musical

Rasteira – Passo de dança do Cavalo-Marinho

Roda – Círculo de pessoas que emoldura a brincadeira em semicírculo

Sambada – Brincadeira/ brinquedo/ festa / Folguedo

Terreiro – Espaço onde acontece a brincadeira, geralmente em praças e ruas

Toada – Gênero musical/música cantada

Trupé – Principal dança do Cavalo-Marinho

Tema sugerido pelo pesquisador Marinaldo Lira José
Autor do enredo e da sinopse: Rodrigo Dias

Author: Netto

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