Conheça o enredo do GRESV Rosa Vermelha para o Carnaval 2018

ROSA VERMELHA
ILÙBATÁ – SAMBA, RAIZ E RESISTÊNCIA

ADUBAIYNI.

As nuvens agigantavam-se no céu, os raios faiscavam por toda parte e os trovões estremeciam a todos os vivos ou mortos, o poderoso rei – a própria figura divina entre os mortais – bradava em seu palácio. O pilar teocrático do reino estava possesso de fúria e dor. Sua filha, a mais adorada, valente e guerreira fora vítima fatal das artimanhas daquelas que nunca se pode dizer o nome.

Tomado por tamanho sentimento dilacerante o rei consulta ao seu babalaô por uma maneira de novamente ver sua amada filha, nem que seja uma única e última vez e instruído pelo velho sábio o rei cumpre todos os preceitos necessários às forças da vida, da morte e da morada dos ancestrais.

Porém faltava o principal ensinamento – que foi passado apenas ao rei – fundamento misterioso para o despertar da força dos tambores. O tambor deixou de ser objeto e passa a ter vida, passa abrigar dentro de sua pele e madeira a energia que desperta o ancestral vivo dentro de cada ser e na natureza ou recluso nas mais infindáveis camadas da espiritualidade.

Diante dos olhos do decano Alafim o encanto se manifesta, a força espiritual se faz presente e enchendo de alegria o coração do sôfrego pai a natureza se manifesta sob a forma de Adubaiyni, sua amada filha.

 

ALUJÁ.

Xangô estava tão fascinado que ordena a instauração do culto aos ancestrais, tomou para si os segredos e mistérios do culto aos mortos e em vingança às velhas feiticeiras institui o culto apenas aos homens.

Um culto que se torna tão proeminente e tão forte quanto aos cultos particulares de adoração às forças naturais tornando a religiosidade alastrada e cada vez mais plural com a adoração mista entre os encarnados, a natureza e os ancestrais divinizados ou rematerializados dentro de segredos e preceitos misticos rigorosos.

Tão forte no cotidiano que se enraíza nos mistérios que unem o mundo dos mortais e dos não mortais e presente no mistério infindável que une o material e o espiritual e molda as transversais espiraladas do tempo que move o mundo e as águas do grande rio de almas a desembocar na foz de uma nova história.

 

ADAHUN.

Se por um lado a dor da escravidão aniquilava o corpo, por outro a força mater fazia emergir a resistência que se valia da fé e da irmandade. Na senzala não existia Oyó, Daomé ou Lundandu; não existia dinastia Nago, Bantu ou Efan. Haviam apenas negros escravizados que pela dor tornaram-se irmãos. O sofrimento alimentava a resistência que se manifestava não apenas na luta física, mas também na luta cultural e intelectual.

Dos grandes reinos africanos restaram apenas escravizados, miseráveis, analfabetos e doentes nas terras brasileiras, sem qualquer atenção ou responsabilidade. Coube então à herança pautada na oralidade a responsabilidade de produzir e reconstruir o orgulho desses filhos de África. Couberam aos batuques, melodias, versos, contos e festejos a reprodução intelectual, filosófica, religiosa e musical de comunidades tradicionais de além-mar.

A musicalidade se destaca! Pois para se fazer música basta sentir o coração bater e, assim sendo, o som, o toque, a voz ou o brado tornam-se instrumentos carregados de história e de força fazendo o batuque ancestral perpetuar-se aqui e que com o passar dos tempos e das mutações histórico-sociais transformou o cenário musical brasileiro com o nascimento dos “sambas”.

 

AGUERÉ.

O plural não se aplica apenas no texto desta sinopse, mas se entrelaça na carne e na alma de cada brasileiro tendo em vista que a gênesis brasileira é a mistura, ora forçosa, ora aflorada naturalmente na magia dos trópicos que abençoam de fertilidade essa terra e, apesar de aparentemente clichê, o dito se outorga: Tudo que aqui se planta dá!

Bem como o samba nascido da inspiração divina e enraizado na mistura e no solo dessa gente batalhadora que planta, cultiva, colhe e batuca por todos os cantos, de todas formas e com todos os sotaques.

A magia e força do samba não estão na unidade, pelo contrário, está na diversidade e, sobretudo na resistência e na conscientização de que a diferença não anula a união, mas sim a fortifica e faz do samba a identidade nacional.

 

BATÀ.

Não sendo bastante toda mazela e toda desintelectualização que nosso país enfrenta há mais ou menos uns quinhentos e poucos anos, infelizmente parte do povo brasileiro carrega dentro de si preconceitos e exterioriza ignorâncias oriundas da verticalidade social e histórica da desigualdade político-financeira que recai sobre a orbe do preconceito racial e habitacional atemporalmente.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, porém não mudam-se as práticas. Ainda hoje a luta negra não se resume a guerra física e se estende ao campo intelectual e psicológico, visto a sépia imagem do negro na sociedade brasileira.

Porém todo movimento organicamente nascido do povo legitima a sua vontade, sua vivência e sua descendência fazendo-se assim uma sólida base que sustenta a luta pela igualdade.

Encontrar no samba a sua raiz e entender o samba como um dos principais motores de comunicação e conscientização de massa é ter noção da força de um ritmo genuinamente resistente.

 

ILÚ.

Fazer da procissão carnavalesca um veículo de exaltação a uma ideia ou pessoa é, por si só grandioso, mas compreender a raiz negra da maior festa popular brasileira e trazer para dentro dela o enaltecimento de suas raízes ultrapassa a barreira da prenoção e torna-se um mantra que brota de dentro da alma.

Quando o morro desce e veste sua fantasia branca com sutilezas rubras é muito mais que um desfile, é fazer história. Quando uma escola incorpora para si a responsabilidade de fazer diferente ela não está apenas criando uma identidade, ela está rompendo barreiras e deixando um legado escrito com suor, lágrimas e axé.

Author: Netto

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