De Goiás para o Carnaval Virtual, conheça o enredo da Arautos do Cerrado.

Sou imbé na aldeia, pequi no quintal e Arautos no Carnaval

Autor: Danilo Guerra Couto, Fábio Granville , Robert Mori e André Wonder

Sou do Cerrado. As minhas raízes estão fincadas neste solo sagrado onde enfrento a estação da seca, o fogo abrasador que renova a vida nos campos, e também a estação das habituais chuvas torrenciais, quando a água toca no solo, formando um ambiente propício para que eu possa nascer, crescer e permanecer neste lugar. Neste ecossistema tipicamente brasileiro, num bioma conhecido por sua grande biodiversidade, chamo a atenção me enfeitando de lindas flores e oferecendo meus dourados frutos, batizados de pequi, para que os habitantes típicos deste lugar se aproximem e me façam companhia, rondando meus tortos galhos e se deliciando desta minha iguaria, transformando-me no símbolo maior deste chão. Sou indígena. Os índios são os mais antigos habitantes deste bioma no qual me encontro, como a tribo dos Kuikuros. E lá sou imbé. Do alto de minha copa observo suas ocas e seus rituais nativos. Em época de colheita, ouço-os gritarem da aldeia – “Imbé Gikegü” – tem “cheiro do pequi”, e as mulheres da tribo vêm colher meus frutos, espinhosos e de casca grossa, derramados no chão. Tenho uma relação com os índios de profundo respeito, assim como eles tem com meus galhos, folhas e, principalmente, frutos. Todo Kuikuro que nasce ganha um pequizeiro de presente. Segundo a tribo, atraídos por minhas flores e um dos principais responsáveis por minha proliferação neste chão, o beija-flor tem poderes sobrenaturais e é meu verdadeiro dono. Debaixo de meus tortuosos ramos, a minha origem mitológica é passada de geração para geração. Os mais velhos contam aos jovens sobre um jacaré que saía do rio em forma de homem, atraído por duas índias irmãs que eram casadas com um bravo guerreiro chamado Mariká. Este nem desconfiava da traição de suas esposas com o réptil, quando um dia, ao apontar uma flecha para uma cotia, esta se transformou em um índio e relatou toda a história para Mariká, levando-o ao lugar da traição, fazendo-o flechar o coração do jacaré. As duas irmãs, por conta da intimidade com o animal, enterraram-no em terras próximas à aldeia e, cinco dias depois, quando foram visitá-lo, em seu túmulo havia brotado um pequizeiro. Os índios mantêm essa tradição mitológica e esse respeito comigo. Imbé próximo da aldeia é sinal de prosperidade. Sou do quintal do Brasil. Caryocar brasiliense, este é meu nome científico. Os estudos sobre mim revelam que se pode aproveitar praticamente tudo que forneço. Dos meus troncos fazem canoas para navegação. Do óleo extraído da amêndoa ou da própria polpa, pode-se fazer biodiesel. Com a mesma potência do combustível, aproveita-se as propriedades afrodisíacas dos meus frutos. Da casca e do caroço, faz-se também a extração de óleos para usos farmacológicos, fornecendo poderosos remédios naturais contra muitos males, como antifúngicos, bactericidas e até para prevenção do câncer. A indústria cosmética também se utiliza da extração desses óleos para fabricação de sabonetes e shampoos. São vários os benefícios provindos de meus elementos, porém, é na culinária aonde estou mais presente. Orgulho-me de ser colhido no quintal desta terra e ir direto para a panela da dona de casa, aonde a tradicional galinhada com pequi é feita naquele típico fogão à lenha e servido e admirado por todos dessa região. Sou celebração. Celebro o encontro de povos. Nas festas do pequi que agitam o Centro-Oeste brasileiro, a viola dá o tom sertanejo e os meus frutos geram diversos quitutes como conservas, sucos, sorvetes, licores e até pastéis. O povo quilombola louva a época da coleta do pequi. Na celebração do Mapulawá ¹, o índio agradece ao espírito do beija-flor por permitir a colheita dos meus frutos. Celebro pela vida, pela preservação. Sou madeira de lei. Sou esse povo do cerrado que respeita a natureza e permite que esse bioma seja protegido. E por conta disso, a gente festeja. Afinal, estou no carnaval. Muito prazer! Sou um pequizeiro e essas são as minhas memórias… Sou Arautos do Cerrado, querendo entrar para a história! ¹ Mapulawá – Beija-Flor, protetor e polinizador do pequi

Author: Netto

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