Arco do Teles é o enredo da Recanto do Beija-Flor para o carnaval 2023

6ª coloca no carnaval passado, o GRESV Recanto do Beija-Flor apresentou o enredo que irá levar para a disputa do Grupo de Acesso I do Carnaval Virtual.

Pavilhão oficial da agremiação

De autoria de Alberto dos Santos de Lemos, a escola de Serra/ES contará do Arco do Teles através do enredo “Histórias do Arco… do Teles, de todos, de sempre”.

Confira abaixo a sinopse do enredo divulgada pela agremiação:

HISTÓRIAS DO ARCO… DO TELES, DE TODOS, DE SEMPRE

Prólogo

Um dia um beija-flor sobrevoou o centro do Rio de Janeiro e encontrou um belo portal junto à Praça XV de novembro, uma verdadeira passagem que liga passado e presente. Uma entrada em forma de arco que, ao ser cruzado, várias histórias revelava. A seguinte sinopse conta as histórias que nosso pássaro encontrou por lá.

Sinopse

Tudo começou com a construção do arco, em meados do século XVIII, bem junto ao porto do Rio de Janeiro, local de troca de muitas mercadorias vindas da metrópole com produtos locais e onde a vergonha da escravidão de pessoas africanas era exposta de forma cotidiana. O chamado Largo do Carmo era uma área delimitada pela Rua Direita, a Casa dos Governadores da Capitania, o cais e um conjunto de edifícios em um terreno de propriedade do abastado juiz Antônio Telles de Menezes. Para se criar uma passagem que ligasse o largo à Rua da Cruz através da Travessa do Mercado do Peixe, o engenheiro José Alpoim idealizou a passagem em forma de arco sob esse condomínio, que acabou consagrado como “Arco do Telles”. Um nicho iluminado foi alocado em sua parede, com a imagem de Nossa Senhora dos Prazeres, protetora dos comerciantes, que sempre que por ali passavam lhe rendiam devoção.

Nas primeiras décadas o local foi frequentado pela minguada burguesia carioca, que circulava pelos trapiches que funcionavam no térreo do casario, enquanto os andares superiores eram habitados por inquilinos distintos. Sobre o arco chegou a funcionar um hotel e o Senado da Câmara, uma espécie de Câmara Municipal e arquivo colonial. Sob o arco passavam escravos de ganho, mensageiros e todo tipo de gente interessada nas últimas notícias da cidade.

Entretanto, uma não tão respeitável história começou em 1790, quando um grande incêndio de causas suspeitas ocorreu na propriedade dos Telles. O impopular conde de Resende, recém empossado vice-rei do Brasil, assistiu a boa parte do casario ser consumida em chamas da janela do Paço dos Vice-Reis, a antiga Casa dos Governadores. Com as chamas, também se foram importantes documentos, como os recibos e cobranças de foros e os registros de imóveis da cidade, que estavam ali guardados. Apesar de haver duas vítimas fatais, muitos feridos e perdas materiais de valor incalculável, o arco permaneceu intacto, mas seus frequentadores mudaram bastante.

As estruturas agora sombrias passaram a ser habitadas por marginais e uma ampla variedade de delinquentes. Sob o arco, abrigados do sol forte e da chuva e a poucos metros da sede do governo, negros jogavam capoeira observados por Oxum, sincretizada com a imagem de Maria, que ao incêndio também resistira. À noite era a vez do baixo meretrício ocupar o lugar. As prostitutas prestavam seus serviços ali mesmo no arco ou ao longo da degradada Travessa do Comércio. A mais célebre foi Bárbara Vicente de Urpia, conhecida por já ter sido uma acompanhante de luxo muito linda, mas que viu sua beleza ser perdida aos poucos pelo tempo. Sua opção foi então ganhar a vida ali sob o arco. Adotou a alcunha de Bárbara dos Prazeres, por sempre se posicionar ofertando seu corpo exatamente na frente do nicho de Nossa Senhora, que considerava sua protetora. A estratégia de propaganda de Bárbara funcionou por alguns anos, atraindo centenas de clientes.

Mas o tempo passou ainda mais, afetando em definitivo a beleza de Bárbara dos Prazeres. Ela então teria recorrido à magia negra para reaver seu viço e voltar a ser desejada. A polícia suspeitava que Bárbara sequestrava crianças filhas de escravos e de mendigos e até recém-nascidos órfãos da roda dos expostos da Santa Casa de Misericórdia. Ela supostamente os sacrificava para se banhar em seu sangue no mangue, onde hoje é a Cidade Nova. O sumiço das crianças foi registrado pela polícia e a notícia aterrorizou as famílias do Rio de Janeiro. Embora Bárbara fosse a principal suspeita, nunca nenhuma pista foi encontrada. O terror era tamanho que, quando ela não era vista em seu ponto no arco, dizia-se que “a bruxa estava solta”. Prestes a completar 60 anos, não foi mais vista e surgiu a lenda de que finalmente teria descoberto a fórmula da juventude eterna.

Também ali tiveram seus momentos de mendicância os loucos, desalojados e farsantes. Bandidos famosos como o temido Olho de Gato se escondiam no beco, onde a polícia nem pensava em fazer operações. Os escândalos eram tamanhos, que a população resolveu transferir a imagem de Nossa Senhora dos Prazeres para uma igreja.

Décadas depois, o arco e suas redondezas foram revitalizados e o local voltou a abrigar armazéns e bares Do arco foi possível presenciar, no Largo do Carmo, acontecimentos importantes na história do Brasil ocorridos nesse tempo, como a chegada da família real portuguesa fugitiva, a aclamação de Dom João VI, Dom Pedro I dizendo ao povo que ficaria no Brasil em 1822, os cortejos de Dom Pedro II e o anúncio da lei áurea pela Princesa Isabel.

Logo oficial do enredo

Na época do império, frequentou o arco o alemão João Alberto Matias, autonomeado Barão de Schindler, outrora combatente nas guerras napoleônicas, enlouqueceu ao saber da morte da esposa durante as guerras platinas e passou a vagar pelas ruas do Rio, sempre vestido de fraque verde e fazendo cálculos de supostas dívidas em seus cadernos. Volta e meia proferia discursos e ganhou do povo o apelido de “filósofo do cais”.

Já no início do século XX o porto do Rio de Janeiro foi deslocado, assim como o eixo de poder da cidade. Mas o velho cais e os armazéns ali persistiram. Várias famílias de imigrantes portugueses viviam nos andares superiores das casas da agora saneada Travessa do Comércio e faziam seus negócios no térreo. No sobrado de número 13 viveu a família Miranda. O pai era barbeiro em um salão próximo, e a mãe fazia refeições para vender com a ajuda de suas filhas Carmen e Aurora. Mais tarde se tornariam cantoras profissionais. Carmen Miranda, ícone da música brasileira, viveu seis anos ao lado do arco.

Na década de 1950, sob influência da arquitetura modernista em uma metrópole que crescia rapidamente, muitos prédios antigos foram demolidos no centro da cidade, dando lugar a altos edifícios. Lucio Costa projetou um grande prédio para ocupar o lugar do antigo casario, mas teve a sensibilidade de reconhecer o valor histórico das construções, preservando a estrutura original dos imóveis que circundam o arco. Resistiu o portal ao incêndio e ao ímpeto modernista. O conjunto passou a ser protegido como patrimônio histórico brasileiro. No local, os armazéns foram se transformando em bares, restaurantes e núcleos de memória. 

A preservação fez do conjunto do Arco do Teles e da Travessa do Comércio um retrato vivo do Rio antigo no meio da agitada região central da cidade. Virou cenário de filmes e novelas, palco de grandes festas temáticas que atraem a juventude e do “happy hour” dos executivos no fim do dia de trabalho. Turistas se fascinam. No carnaval sempre passam blocos e os casais efêmeros ainda usam o beco para praticarem carícias ousadas. Ali, a capoeira continua sendo jogada regularmente, assim como se apresentam grupos de samba de roda vestidos a caráter.

O arco hoje em dia se preocupa em resistir apenas ao vandalismo e ao abandono, mas segue firme sendo cenário da vida dos cidadãos cariocas e continua sendo um recanto livre para todos circularem e se encontrarem com o Rio de Janeiro do passado. Dizem que a energia do lugar é tão forte, que os mais sensíveis podem escutar cumprimentos de fidalgos, gritos de vendedores, pedidos de bênçãos a Nossa Senhora, gargalhadas de bruxas e bandidos, lamentos de mendigos, cantos de pequenas notáveis e todos os sons dos personagens que ali viveram e frequentaram durante os quase três séculos de história que o arco presenciou. 

Este enredo, idealizado para a comemoração do aniversário de 15 anos do G.R.E.S. Recanto do Beija-flor, é dedicado àqueles que amam a cidade do Rio de Janeiro e todos os seus recantos eternizados em poesia.

 

Author: Lucas Guerra

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