Belas Artes apresenta enredo para o Carnaval Virtual 2025

14ª colocada do grupo na edição passada, o ACSCES Belas Artes apresentou o enredo que levará para a disputa do Grupo de Acesso I, na edição comemorativa dos 10 anos do Carnaval Virtual.

De autoria de Igor Cesar Cine, a agremiação irá defender, em 2025, o enredo “LIBERDADE, LIBERDADE! Que a Voz da Igualdade Seja Sempre a Nossa Voz”.

Confira abaixa sinopse oficial:

LIBERDADE, LIBERDADE! Que a Voz da Igualdade Seja Sempre a Nossa Voz

Resumo

Nascemos livres.
Mas a história dos homens teceu correntes, forjou grilhões, arrancou de povos inteiros o direito de viver plenamente.

Nesta avenida, a nossa escola se torna griô, e falará sobre a Liberdade.

A Liberdade é um direito, e não um favor.

Porém, a humanidade roubou de muitas histórias o destino.

Para falar de Liberdade, segmentamos em três setores e símbolos da história, que também começam com L: Luísa Mahin, Luiz Gama e Leopoldinense.

Dos campos sagrados da Costa da Mina, onde a nação Nagô Gegê cultuavam seus orixás, nasce Luísa, filha da tribo Mahin, forjada na resistência e moldada pelo espírito de liberdade. Trazida ao Brasil pelas correntes da escravidão, Luísa se torna mais que sobrevivente: torna-se mensageira da liberdade, escondendo em quitutes simples as palavras que incendiariam revoltas e acenderiam esperanças.

É dela que nasce Luiz Gama — gênio das letras e mestre do direito. Entre poesias burlescas e sátiras impiedosas, Luiz empunha a pena como espada, e nas cortes, sem diploma, rasga as correntes que prendiam seus irmãos. Advogado dos injustiçados, poeta dos esquecidos, sua luta atravessa os séculos e se eterniza como canto de igualdade.

Logo oficial do enredo

Seguimos, então, pela história da liberdade no Brasil: dos quilombos, da resistência oculta nas senzalas, das revoltas que clamaram justiça, até o fatídico 13 de maio, quando a caneta assinou a Lei Áurea — mas não apagou as marcas da escravidão.

Por fim, reverenciamos um marco do nosso próprio carnaval: o inesquecível desfile da Imperatriz Leopoldinense de 1989, quando o grito de liberdade ecoou forte na Marquês de Sapucaí, eternizando no samba a luta de todo um povo.

Hoje, nossa escola levanta a bandeira da liberdade — não como um prêmio, mas como direito inalienável, conquistado a ferro, fogo e fé.

Que a voz da igualdade seja sempre a nossa voz!

Que as asas da liberdade nunca se fechem sobre nós!

Capítulo 1: O Berço da Resistência – A Jornada de Luísa Mahin

1.1 Tribo Mahin: No calor da Costa da Mina, sob o sol dourado da África, nasceu Luísa Mahin. Pertencia à grande nação Nagô Gegê, oriunda do Golfo de Benin, no poderoso reino do Daomé. Sua linhagem vinha da tribo Mahin — povo valente e ancestral, cujo nome ela carregaria como marca de identidade e orgulho. Entre palmeiras, cânticos e tambores, cresceu sob os ensinamentos dos orixás e da força coletiva de seu clã.

O Daomé era um reino de esplendor e abundância. Suas riquezas reluziam em ouro, marfim e tecidos finíssimos. As feiras fervilhavam com o comércio de temperos, contas coloridas, esculturas de madeira e metais preciosos. Seus guerreiros eram temidos e sua cultura era viva — nos palácios, cerimônias grandiosas reverenciavam reis e deuses africanos, enquanto os alufás — sábios muçulmanos — mantinham viva a espiritualidade e o saber ancestral. Eram todos livres.

1.2 Aportou a Ambição – A Chegada do Invasor: Mas, como um eclipse sombrio, chegaram os invasores europeus. Movidos pela sede insaciável de riqueza, transformaram alianças em traições e cobiçaram aquilo que os olhos estrangeiros não podiam conquistar pela honra. A ambição aportou nas praias douradas, trazendo armas, violência e o comércio desumano de corpos e almas.

Capturada nas teias da escravidão, Luísa foi arrastada ao porão úmido de um navio tumbeiro — verdadeiros dragões dos mares. A viagem era um inferno: fome, doença e morte a cada onda. No balanço cruel do oceano Atlântico, muitos tombaram sem sequer chegar ao destino. Mas Luísa resistiu. Sua força ancestral, herdada de gerações de guerreiros, manteve viva a chama da liberdade em seu peito.

Ao chegar às terras do Brasil, seu corpo foi negociado como mercadoria. A escravidão era brutal — um sistema que desumanizava, anulava identidades e tentava sufocar culturas milenares. Mas Luísa Mahin, mesmo cativa, jamais se dobrou ao jugo da servidão.

1.3 Salvador – A Chegada de Luísa ao Brasil: Nas ruas vibrantes de Salvador, primeira capital do Brasil, Luísa encontrou um novo palco para sua luta. As ladeiras do Pelourinho, os mercados de rua e os terreiros ecoavam a força da resistência negra. Ali, ela se reconstruiu: quituteira nos tabuleiros, guerreira nas sombras.

1.4 Quituteira: Mensagens Secretas da Libertação: Com mãos habilidosas, preparava acarajés, abará e vatapás — quitutes banhados no azeite de dendê sagrado. Porém, escondidos entre as iguarias, viajavam bilhetes escritos em árabe, mensagens secretas de insurreição. Luísa articulava revoltas, conectava líderes, mantinha viva a esperança dos cativos. Seus tabuleiros eram trincheiras. Seus quitutes, armas invisíveis na luta pela liberdade.

Fiel às raízes africanas, Luísa negou o batismo cristão imposto pelos senhores coloniais. Cultivou os ritos dos orixás, manteve viva a língua, os costumes e a fé dos alufás — os sábios muçulmanos que a inspiraram na luta e no conhecimento. Sua identidade africana era sua armadura invisível contra a opressão.

Foi nesse contexto que Luísa deu à luz Luiz Gama — fruto da esperança e da resistência. Mais do que mãe, foi semeadora de uma missão: forjar em seu filho a chama inextinguível da liberdade, que ele carregaria como herança em sua própria trajetória.

1.5 Movimentos: A Revolta dos Malês e a Sabinada: Luísa não era apenas mensageira, mas também estrategista. Atuou nas articulações da Revolta dos Malês (1835), ao lado de negros muçulmanos que sonhavam com a emancipação. Participou ainda dos movimentos que culminaram na Sabinada, uma rebelião que clamava por justiça e igualdade. Cada bilhete enviado, cada reunião escondida, cada palavra sussurrada nas noites da Bahia carregava o sonho de libertação.

Mas a repressão veio como um vendaval de sangue. Tropas coloniais sufocaram as revoltas com brutalidade. Muitos líderes foram executados ou desapareceram nos porões do poder. De Luísa Mahin, o que se sabe é que sua imagem se perdeu entre mitos e memórias — mas sua presença permanece viva como símbolo eterno da coragem e da luta pela liberdade.

Capítulo 2: Luiz Gama – A Palavra que Rompe Correntes

“Com a pena em chamas e o verbo como espada, Luiz Gama incendiou consciências, desafiou impérios e escreveu, com a própria vida, um legado eterno de resistência e liberdade.”

2.1 Mercador de Escravos: O Filho Vendido pelo Pai: Em meio aos ataques e perseguições às revoltas, Luísa Mahin precisou desaparecer para sobreviver, deixando para trás seu filho Luiz. Um destino cruel o aguardava: vendido como escravo pelo próprio pai — um fidalgo pertencente a uma das famílias mais tradicionais da Bahia, de origem portuguesa. Luiz, ainda menino, foi embarcado rumo ao Rio de Janeiro numa barca de mercadores de escravos. Mas a fama dos baianos como incendiários de rebeliões o acompanhava, e, desconfiados, muitos compradores hesitavam em adquirir aquele jovem de espírito inquieto.

2.2 A Escravidão e a Semente da Liberdade: Luiz Gama acabou vendido ao alferes Antônio Pereira Cardoso em uma fazenda no interior de Lorena, São Paulo. Ali, no compasso forçado da lavoura, cresceu. Mas a injustiça não sufocou sua chama. Em segredo, Luiz aprendeu as primeiras letras, ajudado por um estudante que vivia na casa do senhor. Num tempo em que a alfabetização de escravizados era proibida, cada palavra decifrada era um ato de rebeldia silenciosa.

Com inteligência e determinação, Luiz reuniu provas de que, por ser filho de Luísa Mahin, uma mulher livre, também ele nascera livre — e fora escravizado ilegalmente. Com isso, conquistou a própria liberdade, não pelas mãos de seus algozes, mas pela força da lei e da verdade que ele mesmo desvendou.

Já livre, Luiz Gama ingressou nas forças armadas. No entanto, sua natureza insubmissa logo se revelou incompatível com a rigidez e as injustiças da hierarquia militar. A liberdade pulsava mais forte em suas veias do que qualquer farda poderia conter.

Como amanuense — aquele que copia documentos à mão —, Luiz Gama aprofundou-se nas palavras e nas leis. Trabalhando na polícia, enfrentou discriminação por sua cor, mas ali conheceu José Bonifácio de Andrada e Silva, figura influente que reconheceu seu talento. À margem das universidades, Luiz se fez autodidata, mergulhando nos códigos jurídicos, nos discursos legais e nas possibilidades de justiça.

Entre os salões literários e as páginas dos jornais, Luiz Gama fez da palavra sua espada. Poeta satírico, publicou as Ourovas Burlescas, onde ridicularizava a falsa moral da elite escravocrata. Como jornalista, fundou O Diabo Coxo e O Cabrião, periódicos irreverentes que denunciavam a corrupção, o racismo e a hipocrisia. Sua pena era afiada: com humor ácido e coragem rara, inflamava corações e espalhava as sementes da rebeldia.

Autodidata e corajoso, Luiz Gama tornou-se rábula — advogado sem formação universitária, mas mestre das leis. No tribunal, erguia sua voz com precisão e paixão, conquistando a liberdade de mais de 500 negros cativos. Enfrentando senhores poderosos, defendia escravizados com uma argumentação feroz e fundamentada, provando que a justiça poderia ser revirada por quem tivesse coragem de desafiar o poder.

Enquanto o Império do Brasil fingia abolir a escravidão apenas “pra inglês ver”, Luiz Gama expunha a farsa. Lutou contra a impunidade, apontando falhas nas leis, a negligência dos governantes e a hipocrisia institucionalizada. Recorreu ao habeas corpus para libertar os injustiçados e exigiu o direito de compra de alforria. A cada vitória, Luiz Gama transformava esperança em realidade, iluminando o caminho da liberdade com a tocha da justiça.

Capítulo 3: A “Conquista” Da Liberdade

Nas praças, nos salões e nas ruas, a semente da liberdade germinava. O Movimento Abolicionista ganhou força através de figuras corajosas como André Rebouças, José do Patrocínio, Castro Alves – o “poeta dos escravos” –, e Joaquim Nabuco. Mulheres também ergueram suas vozes, como a escritora e militante Maria Firmina dos Reis. Suas palavras, seus atos e suas organizações inflamaram corações, preparando o solo para o que seria, enfim, o golpe final contra a escravidão.

 Muito antes da assinatura de leis, a verdadeira liberdade já era cultivada nos quilombos, redutos de resistência e sobrevivência. Entre as matas e montanhas, comunidades como o lendário Quilombo dos Palmares, liderado por Zumbi, e tantos outros – Quilombo do Leblon, Quilombo do Campo Grande, Quilombo de São Benedito – mantinham acesa a chama da autonomia africana em terras brasileiras. Eram territórios de refúgio, cultura, espiritualidade e sonho livre.

 No dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, decretando a abolição da escravidão no Brasil – o último país das Américas a fazê-lo. A lei, composta de apenas dois artigos, foi breve, quase fria, sem assegurar direitos básicos como terras, trabalho ou indenizações aos libertos. Ficaram as lacunas, ficaram as cicatrizes. A liberdade foi conquistada, mas o abandono social transformou a liberdade jurídica em uma luta ainda maior: a batalha por dignidade e igualdade.

Capítulo 4: Liberdade, Liberdade! Que a Voz da Igualdade Seja Sempre a Nossa Voz

A assinatura da Lei Áurea em 1888 deu a liberdade jurídica aos negros, mas não garantiu igualdade. Sem terras, educação ou acesso ao trabalho digno, a maioria dos ex-escravizados foi abandonada à própria sorte. A exclusão econômica e social empurrou negros e pobres para os morros e periferias, formando as primeiras favelas, frutos diretos da omissão do Estado e da herança da escravidão.

Apesar de toda marginalização, o povo negro resistiu e transformou exclusão em potência. O samba, a capoeira e o candomblé floresceram como manifestações de força cultural e identidade. Se os quilombos históricos foram destruídos, surgiram novos quilombos urbanos na música, na dança e na fé. A resistência seguiu viva, reinventada em cada roda de batuque e em cada terreiro.

Em reconhecimento a essa luta ancestral, foi criada a data do Dia da Consciência Negra, em homenagem a Zumbi dos Palmares, líder do maior quilombo da história brasileira. A data foi instituída oficialmente em 2003 e, em 2023, foi finalmente reconhecida como feriado nacional. Um marco que reforça a importância de recordar e valorizar a trajetória negra no Brasil.

No batuque dos tambores, nas alas coloridas e nos enredos vibrantes, surgem as Escolas de Samba, espaços onde o povo negro se fez protagonista de sua própria história. Na passarela, todo negro é rei, toda negra é rainha. Cada desfile é celebração, resistência e afirmação de identidade.

Em 1989, a Imperatriz Leopoldinense eternizou na avenida a luta pela liberdade com o histórico enredo “Liberdade, Liberdade! Abra as asas sobre nós”, comemorando o centenário da abolição. Com samba no pé e alma nas vozes, a escola transformou o passado de dor em um canto de esperança e orgulho.

Hoje, celebramos as conquistas, mas sem esquecer os desafios que ainda persistem.

A luta de Luísa Mahin, de Luiz Gama e de milhões de anônimos ecoa em cada passo de resistência.

Que a voz da igualdade ressoe eternamente em nossos corações e na nossa história!

Author: Lucas Guerra

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