Convenção das Bruxas é o enredo da Pau no Burro para o Carnaval Virtual 2023

Vice-campeã do Grupo de Acesso II no carnaval passado, o GRESV Pau no Burro apresentou o enredo que irá marcar o seu retorno do Grupo de Acesso I do Carnaval Virtual 2023.

Pavilhão oficial da agremiação

De autoria do carnavalesco Jorge Júnior, a azul e rosa de Barra do Piraí/RJ defenderá o enredo “Convenção das Bruxas”.

Confira abaixo a sinopse do enredo divulgada pela agremiação:

“Convenção das Bruxas”

APRESENTAÇÃO DO ENREDO

Bruxa, feiticeira, mandingueira, adivinha, vidente, maga, mágica, pitonisa, sábia, sacerdotisa, xamã, médium são alguns dos termos associados às mulheres que manifestavam e manifestam algum conhecimento sobre adivinhações, benzeduras, curas através das ervas, partos e orações, cultuando um mundo místico, invisível, mágico, misterioso sobre o qual o conhecimento científico e até racional tem muito pouco a comprovar. Para que possamos entender as transformações históricas pelas quais as representações da imagem da “bruxa” passou, se faz necessário mirar em um passado bem longínquo em que o feminino era visto como força fundamental para a sobrevivência na terra.

Hoje ainda vistas como símbolo de maldade e representadas por imagens horripilantes, essas mulheres já foram consideradas guardiãs da vida e da morte, com papel crucial em comunidades camponesas europeias da Idade Média. Mas também condenadas ao fogo, por irem contra aos ensinamentos e doutrinas da igreja, queimadas até a morte por causa de suas práticas e ignorância de muitos.

Mas a realidade é que elas existem, vivem entre nós, na figura de todos aqueles que manipulam magia, manuseiam os elementos da terra, curam, constroem, educam, edificam.

A Pau no Burro te convida a adentrar nesse “caldeirão” místico e popular para aprender a criar a “poção” certa para evidenciar a mulher, que vai a luta em defesa dos seus, da natureza, da magia em uma verdadeira CONVENÇÃO DAS BRUXAS.

SINOPSE DO ENREDO

Bruxa? Deus me livre… Cruz credo! Sai pra lá… Que imagem vem à sua mente quando você lê essa palavra? Será essa a sua reação? Não é raro imaginarmos a bruxa como uma mulher bem velha, dotada de um grande nariz cheio de verrugas, trajando roupas sujas, surradas e sombrias e um chapéu pontudo, ao lado de seu inseparável gato preto e seu caldeirão e, inevitavelmente, ligada à maldade. Mas, afinal, de onde vem essa peculiar figura imaginária? Será que toda bruxa se assemelha ao que você pensa? Talvez você se surpreenda em saber que as bruxas existem, sim, no mundo real. Mas elas não eram exatamente como imaginamos e descrevemos.

No nosso imaginário, elas são como as bruxas dos contos de fada, como em ‘João e Maria’, ou como conhecemos por meio do cinema ou televisão, com uma variedade gigante, com feições caricatas e grotescas, ou com características bem distantes do padrão de beleza impresso nas ditas princesas, trazendo a tona um senso de “feiura”. Dentre essas características atribuídas ao feio, temos a velhice da bruxa, como a da história da Branca de Neve ou outros clássicos infantis, a pele de cor diferenciada como a Bruxa Má do Oeste, de ‘O mágico de Oz’, ou o excesso de peso da vilã Úrsula, da Disney, entre outras ou até mesmo hipersensualizada com ‘Elvira, a rainha das trevas’, talvez para atender aos anseios do masculino, ou seja, sempre vista de forma negativa, estereotipada. E isso permeou o nosso imaginário, desde a infância e ainda perdura até os dias atuais, onde muitos acham e tem as bruxas como seres malignos das trevas. Porém a realidade não é fantástica assim.

Pesquisadores centrados em suas buscas arqueológicas encontraram em cavernas alguns símbolos e ilustrações que demonstravam a adoração humana às deusas da fertilidade, desde o período paleolítico. Desde o surgimento das primeiras civilizações na terra, o homem buscava adorar deuses que uniam proteção, respeito e divindade. Talvez fosse uma maneira de procurar entender aquilo que não se compreendiam e alguns diziam que não existia. E na figura feminina já se via essa busca pelo místico e oculto. O estudioso de mitologia e religião norte-americano Joseph Campbell (1904-1987) explica que, desde os tempos mais remotos da história, a mulher é vista como força mágica e misteriosa da própria natureza, e esse poder feminino acabou despertando no ser masculino uma das maiores preocupações: como quebrá-lo, controlá-lo e usá-lo para seus próprios fins. Talvez dai a associação da mulher como feiticeira, bruxa, mandingueira.

As bruxas são mulheres comuns e independentes, cujos seus atos eram taxados de  demoníacos pela igreja católica. E nesse contexto você pode ser perguntar: se as bruxas eram mulheres reais e tinham trabalhos dignos, por que houve figuras como Circe, a feiticeira que transformava os homens em porcos na Odisseia, do poeta grego Homero (928 a.C – 898 a.C), e tantas outras mulheres más e assustadoras? Será sempre a mulher carregando esse estigma de perversa, maligna, devastadora?

Da mesma forma que se consideram santos as pessoas que possuíam ligações com o sagrado em vida, as bruxas seriam aquelas que supostamente se atrelavam ao demoníaco voluntariamente, o que lhes confeririam certos poderes sobrenaturais. A partir disso, todo e qualquer acontecimento desastroso passava a ter uma justificativa relacionada ao satânico e, muitas vezes, envolvendo os poderes sobrenaturais das bruxas. Por esse motivo, tudo que poderia ser visto como bruxaria passou a ser perseguido e julgado pelo tribunal da Santa Inquisição, ferramenta de controle ideológico e social da igreja católica.

A mentalidade da sociedade medieval era aquela que acreditava que convivia com fenômenos sobrenaturais divinos e demoníacos. Era primordial distinguir o sagrado do profano, de forma a seguir os ensinamentos de Cristo. Aos fenômenos divinos dava-se o nome de milagres. Já aos fenômenos tidos por eles como “diabólicos” eram chamados simplesmente de bruxarias.

Para compreender a história das bruxas na Idade Média é de suma importância lembrar que este era justamente o período da consolidação do cristianismo na Europa, onde era imposto fortemente que a crença fosse seguida. O que se desviasse dessa linha, era considerado ameaça e logo, errado.

Muitos saberes populares, oriundos da tradição dos povos que eram mantidos pelas mulheres, eram tidos como pagãos e foram encarados com temor e perseguidos pela igreja. Dominar o cultivo das plantas medicinais e métodos curativos, que eram parte principal do universo feminino, poderia logo ser considerado ligação com o maligno. Dai a associação com o chapéu, caldeirão, vassouras e outros objetos comuns da época e que aos poucos foram caindo na lista de proibições da Igreja e ligados a bruxaria. O cristianismo considera a mulher como sendo a responsável pelo pecado original, por conta de Eva ter oferecido a Adão o fruto proibido e instigado a comê-lo. Já não é de hoje que a mulher é julgada e inferiorizada em relação ao homem. O peso de portar o “pecado original” colocava o feminino nessa época em ligação direta ao profano, segundo a tradição cristã. Essa crença traz o reforço da tradição do patriarcal da sociedade feudal, baseada na supremacia masculina que decretavam severas restrições à existência da mulher.

Logo oficial do enredo

E é diante desses fatos que várias mulheres foram perseguidas, açoitas e acusadas de feitiçaria ou bruxaria, condenadas; e milhares assassinadas pela prática de suas crendices e culturas. Muitas queimadas em praça pública. Um verdadeiro horror. Este período, logo no nascimento da Inquisição, datado do século XIV foi denominado de ‘Caça as Bruxas’. Na maioria das vezes, essas mulheres eram pessoas mais velhas, que acumulavam anos de experiências e dominavam os saberes necessários para lidar com a vida e a morte: a dose certa para curar uma doença, o procedimento necessário na hora do parto, as plantas capazes de promover abortos, as ervas que causavam alívio durante um falecimento. Nas suas comunidades, elas não eram vistas como más ou perversas, eram comumente chamadas de “mulheres sábias” em várias línguas, e estavam sempre participando da vida comum. Em certos casos, cobravam pequenos valores pelos seus feitos, em outros apenas os faziam porque eram membros daquela comunidade. Sejam como for, entre as populações campesinas da Europa, elas eram as médicas, as conselheiras, as guardiãs da morte e da vida.

O entendimento que se tem por bruxa sofreu sucessivas transformações e este processo ainda segue em curso. Apesar das mudanças, há uma essência no que se é considerado e denominado bruxaria, mesmo nos contos atuais: mulher que construiu sua autonomia, sobretudo por meio de seu intelecto e saberes não dominados por autoridades masculinas, e que tendem a ser encarados com repúdio e desconfiança.

“Somos netas das bruxas que vocês não conseguiram queimar…” A frase símbolo pop de alguns movimentos feministas, traduz e ressignifica o retorno da bruxaria como algo aceitável. Faz parte desse movimento contestar o papel social de gênero e o espaço da mulher na sociedade, e com isso a bruxaria não seria diferente.

Hoje podemos afirmar que as bruxas estão entre nós. E que maravilha! Não somente aquelas estereotipadas e sobrenaturais: elas são símbolos da independência, da conquista da sua liberdade, que vai muito além de padrões de beleza, rótulos e comportamentos impostos pela sociedade. Elas estão nas ervas da ‘rezadeiras’, na mão da médium em um terreiro, que manipula os elementos da terra, na médica que opera ou traz vidas ao mundo, nas cientistas que fabricam uma vacina, na professora que leciona e conta histórias de vida, na cantora que expõe sua voz potente dentre outras maravilhosas mundo a fora. Elas estão no nosso folclore, que de forma incrível, são sempre seres que estão em defesa da natureza ou algum proposito maior. Na literatura, ela é aquela bruxinha boa, onde autores e escritores deixam claro que essas mulheres são do bem e para o bem.

Dia a dia, essas bruxas desafiam as barreiras que lhes são impostas, e longe das antigas histórias infantis, negam papeis secundários que lhes são propostos, colocando-se como grandes protagonistas das suas próprias histórias. E seja lá qual for à crença, é importante sempre respeitar a do outro.

As bruxas existem! E a grande convenção delas é na passarela virtual, no desfile da Pau no Burro, que traz esse caldeirão de amor e exaltação a todas as mulheres, hoje e para SEMPRE!

Author: Lucas Guerra

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