14ª colocada do grupo na edição passada, o GRESV Imperatriz Itaocarense apresentou o enredo que levará para a disputa do Grupo Especial, na edição comemorativa dos 10 anos do Carnaval Virtual.
De autoria de Walter Gualberto Martins, a agremiação irá defender, em 2025, o enredo “Lund”.
Confira abaixa sinopse oficial:
Lund
Justificativa
O Brasil do início do século XIX foi marcado por um acontecimento transformador: a chegada da Família Real Portuguesa. Com ela, vieram também uma série de medidas que abriram as portas da então colônia tropical para o mundo, permitindo a entrada de ideias, tecnologias e, sobretudo, de olhares curiosos e científicos. Naturalistas estrangeiros cruzaram oceanos para desvendar os mistérios das temidas e fascinantes florestas brasileiras, que há mais de três séculos despertavam a imaginação e a cobiça dos europeus.
Essas expedições científicas tinham como principal objetivo coletar, estudar e catalogar a exuberante fauna e flora local. E se intensificaram ainda mais após a independência do Brasil, quando o país começava a esboçar sua identidade e ganhar protagonismo no cenário internacional. Algumas dessas missões tornaram-se célebres, outras caíram no esquecimento…, mas todas, sem exceção, foram e ainda são fundamentais para a construção do conhecimento sobre nosso território, nossa história e nossa gente.
Além dos dados científicos, os diários desses exploradores registraram com riqueza de detalhes os costumes, os cenários e a cultura de um Brasil nascente, revelando múltiplas versões de um país. Reviver essas experiências é como viajar no tempo, um mergulho nas redescobertas de imensos Brasis que o passar dos séculos insistiu em silenciar. É reencontrar aventuras, reconhecer nomes que ajudaram a moldar nossa identidade e, acima de tudo, resgatar o sentimento de pertencimento e brasilidade.
Por isso, a Imperatriz Itaocarense convida você a embarcar nessa fascinante jornada pela vida e obra do dinamarquês Peter Wilhelm Lund, que há exatos 200 anos pisou pela primeira vez em solo brasileiro. Considerado o pai da paleontologia brasileira, Lund realizou descobertas em Minas Gerais que ecoaram pelo mundo, influenciando nomes como Darwin e outras mentes brilhantes de sua época, aguçando ainda mais os olhares curiosos sobre o Brasil e o continente americano.
Sinopse
Os invernos rigorosos de Copenhagen eram, para muitas crianças, verdadeiras provações. O frio cortante as confinava entre paredes, afastando-as dos gramados e jardins onde os risos e brincadeiras costumavam florescer. Mas havia uma exceção: o pequeno Peter Lund, menino de apenas dez anos, o quarto de cinco filhos de um casal de comerciantes de tecidos. Enquanto lá fora a neve caía como um véu sobre o mundo, ele se aquecia sob o brilho das páginas dos livros de ciências naturais de seu pai. Encantava-se, sobretudo, com os pássaros — suas formas e suas promessas de liberdade.
Quando o verão enfim rompia a prisão do gelo, Peter não se desviava de seu caminho. Lá estava ele, agora sob o sol brando, colhendo plantas, observando insetos, ouvindo os segredos do mundo… A natureza havia se tornado sua confidente, sua paixão mais íntima. E foi essa devoção que o conduziu, anos depois, a abandonar os estudos de Medicina para mergulhar por completo nas Ciências Naturais. Para ele, a natureza era um gigantesco quebra-cabeça, cujas peças haviam sido cuidadosamente espalhadas por Deus. E cabia ao homem reuni-las, uma a uma, até desvendar os segredos mais profundos da existência.
Aos 24 anos, movido por esse ideal, Peter Lund embarcou em uma jornada rumo ao desconhecido. Deixou a Europa para trás e partiu para o Brasil. Aqui chegou em dezembro de 1825, desembarcando no porto do Rio de Janeiro sob um céu festivo, onde as ruas vibravam com tiros de canhões, tambores, sorrisos e esperanças. O povo celebrava o nascimento de um príncipe, batizado Pedro, símbolo de um novo tempo. E entre os convidados do acaso, havia um jovem naturalista guiado não por coroas ou honrarias, mas pelo chamado silencioso da natureza.
Em sua primeira jornada por terras tropicais, Lund se lançou aos encantos da província fluminense com os olhos de quem vê o mundo pela primeira vez. Rendeu-se ao espetáculo das flores que se abriam como oferendas nas entranhas da mata. Admirou-se com a engenhosidade das formigas tanajuras e dos besouros. Seus passos o levaram para o norte do Rio de Janeiro, onde, nos vales do Rio Paraíba dos Sul, conheceu os Coroados da Aldeia da Pedra, testemunhando, entre eles, modos de vida ancestrais, tão distantes e ao mesmo tempo tão próximos de suas leituras juvenis. E foi ali que ele compreendeu que os desenhos dos livros de seu pai eram apenas vislumbres pálidos do que aqui se revelava em carne, cor e canto. Os pássaros que ele tanto amara nos papéis agora lhe sobrevoavam em revoadas majestosas, com uma diversidade que ultrapassava qualquer devaneio de sua infância.
Com paciência e reverência, Lund catalogou e estudou 185 espécies de aves, além de inúmeros insetos, animais e amostras da flora tropical. Em 1829, retornou à Dinamarca levando consigo esses tesouros, que encontraram abrigo no Museu de História Natural. E, assim, um pedaço do Brasil foi levado ao coração da Europa
Mas Lund jamais esqueceu o calor destas terras. Em 1833, o chamado do Brasil foi mais forte que qualquer inverno. Voltou. E ao lado de Ludwig Riedel organizou uma nova expedição — que fracassou. Mas como nas grandes epopeias, do fracasso nasceu o destino. Em seu caminho cruzou um novo personagem, Peter Claussen, outro dinamarquês que lhe contou ter encontrado em uma caverna localizada em suas terras, ossos de animais pré-diluvianos. Lund se surpreendeu, mas jamais imaginou que isso alteraria não apenas o curso de sua vida, mas também a forma como o mundo compreenderia a América e sua ancestralidade.
Mudou-se para Lagoa Santa e ali se enraizou. Por uma década, desbravou cavernas como quem abre livros milenares. Encontrou a preguiça gigante, o tatu colossal, o urso das cavernas e, pela primeira vez na história, os ossos do lendário tigre-dente-de-sabre. Lund não apenas fazia ciência, ele tocava o coração do tempo. Nas entranhas de grutas e cavernas, encontrava não só criaturas desaparecidas, mas também pistas da grande sinfonia da vida.
Foi numa dessas cavernas, silenciosa como um santuário esquecido pelo tempo, que Lund encontrou mais do que fósseis. Nas paredes de pedra, desenhos de homens antigos caçando animais colossais. Pinturas rupestres de uma convivência impensável. O mundo, até então moldado pela teoria do catastrofismo, recusava a ideia de que o ser humano pudesse ter caminhado ao lado da megafauna. Mas ali, diante daqueles desenhos, o impossível começava a ganhar contornos de verdade.
Lund mergulhou ainda mais fundo. Escavou com mãos reverentes, como quem busca não apenas ossos, mas vestígios da própria origem. Encontrou fragmentos de cerâmica, instrumentos, sinais de uma presença humana enterrada sob eras de silêncio. Até que, por fim, diante de seus olhos e seu esforço, ossos humanos ao lado dos gigantes extintos foram revelados: provas irrefutáveis de que o tempo era mais vasto, mais antigo, mais misterioso do que se ousava imaginar.
Lund redesenhou os mapas da ciência. Trouxe das sombras da terra uma nova luz. E seu nome ecoou por salões e academias, inspirando até mesmo Darwin, cujas ideias sobre a evolução encontrariam ali uma semente fecunda. Mas, apesar do renome, nunca deixou de ser o homem que escutava os sussurros da mata e o canto das aves destas terras brasileiras.
Naturalistas de várias partes do mundo passaram pela pequena Lagoa Santa, ávidos por conhecer o cientista que lia o passado nas entranhas da terra. E ali, nos encontros à sombra das árvores, descobriam também o seu lado mais humano. Nas tardes calmas, o doutor europeu ensinava música às crianças, comprava instrumentos, regia ensaios como quem rege o próprio destino. A banda da vila era sua criação, e nela pulsava seu afeto pela comunidade. Era visto como um gênio, às vezes como um excêntrico — um homem que, em vez de riquezas, colecionava ossos e silêncios antigos.
Lund nunca mais voltou à Dinamarca. O Brasil com seus sóis abundantes, sua gente simples, sua natureza exuberante e suas cavernas de mistérios, o havia enraizado para sempre. E antes de partir da vida, fez um pedido que só poderia vir de um espírito livre: que seu funeral fosse uma grande festa. Três dias de celebração, fogos, música e alegria. Uma despedida sem luto, como se sua alma quisesse dançar pelo vento e pelo tempo.
E assim foi feito. A cidade inteira se reuniu em torno de sua memória. Mas no último dia, quando os foguetes acabaram, o povo mineiro com o seu improviso genial tomou os livros e anotações da biblioteca do velho mestre e os transformou em rojões. E lançaram ao céu os fragmentos de sua história, suas ideias, seus sonhos. Foi sua última viagem: em luz e som, Peter Lund virou poeira estelar, se espalhando, enfim, pelo mesmo universo que passou a vida inteira tentando compreender.
Referências Bibliográficas
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FILHO, P.E.L. Peter Wilhelm Lund: o auge das suas investigações científicas e a razão para o término das suas pesquisas. Sao Paulo, 2007. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09102007-142632/pt-br.php>. Acesso em: 02 de abril de 2025.
Grupo Bambuí de Pesquisas Espeleológicas. Peter W Lund – Great Danish Scientists. Youtube, 12 de junho de 2020. 28min35s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pRbdWGtlTls>. Acesso em: 02 de abril de 2025.
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MARCHESOTTI, A.P.A. Peter Wilhelm Lund: O naturalista que revelou ao mundo a pré-história brasileira. Editora E-papers. Rio de Janeiro, 2011.
Prefeitura de Lagoa Santa. Peter W Lund para além da Paleontologia contribuição à Ciência e Sociedade. Youtube, 13 de junho de 2021. 40min14s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TZ_NXENkNmM>. Acesso em: 02 de abril de 2025.