11ª colocada do grupo na edição passada, o GRESV Imperiais de Madureira apresentou o enredo que levará para a disputa do Grupo Especial, na edição comemorativa dos 10 anos do Carnaval Virtual.
De autoria de Marcos Felipe Reis e Lucas Santoro, a agremiação irá defender, em 2025, o enredo “O Hilário cortejo de um Rei”.
Confira abaixa sinopse oficial:
O Hilário Cortejo de um Rei
Apresentação
A Imperiais de Madureira alça voo com sua águia imperial para celebrar o legado de Hilário Jovino Ferreira, o “Lalau de Ouro”, que, com seu batuque e irreverência, reinventou a forma de se pular o carnaval no Rio de Janeiro do início do século XX. Entre confetes e serpentinas, celebramos os carnavais de outrora e, com muita nostalgia, lembramos do esplendor dos ranchos carnavalescos e o surgimento das primeiras escolas de samba, descendentes diretas dessa tradição. Em cinco setores, navegamos pela história de Hilário, com críticas mordazes, reverências aos que vieram antes e um apelo para que o samba não se perca na poeira da história.
1 º Setor – Desponta o Príncipe Negro da Bahia
Eis que os búzios caíram, o Oráculo de Ifá traçou o destino. Orunmilá profetizou que, nas profundezas do tempo, um príncipe negro, de raízes africanas, surgiria para guiar um povo. Nascido sob a bênção dos orixás, filho de forros e de linhagem real, ele ergueria sua voz em terras distantes.
Na Bahia, berço da fé e da resistência, mosaico de crenças e tradições, sagrada e profana, exuberante, ancestral e tropical, que a profecia se concretizou. Na mística Salvador, despontou Hilário Jovino Ferreira.
Sua infância se desenrolou pelas antigas ruelas de paralelepípedos, onde os aromas do dendê e do acarajé entrelaçavam-se ao perfume das flores de Yemanjá; ouvia os cantos e batuques dos terreiros de candomblé, os toques dos atabaques, berimbaus e pandeiros ecoando pelos becos; encantava-se com os festejos populares, o cortejo dos Reis Magos e as celebrações do carnaval; viu o samba germinar e a malandragem, arte de resistência, tomar forma e se estabelecer. Assim, conheceu os mistérios das encruzilhadas de Exú e absorveu a alegria e sabedoria ancestral do povo preto.
Hilário cresceu e se tornou Lalau!
2º Setor – Os Ventos do Cais Aportam na Pequena África
Seguindo seu destino, aportou no Rio de Janeiro. A então capital federal, efervescente e desigual. Uma cidade em reforma, odienta e violenta com os pretos e pobres, relegados à marginalidade. Mas era também a cidade onde o samba encontrava novos ritmos e a cultura afro-brasileira resistia no cais do Valongo.
Sobreviver no Rio exigia habilidade e astúcia. Bom malandro e capoeirista, sabia driblar as adversidades e conquistar respeito na comunidade. Lábia, ginga e carisma. Ao mesmo tempo, era um agente cultural, carregando a memória de sua Bahia e transformando o Distrito Federal com sua música e sua dança.
Nas noites da Praça Onze, ao som de cavaquinhos e pandeiros, frequentava a casa da quituteira, mãe de santo e “xará” Tia Ciata. Ali, o samba florescia entre bolinhos de acarajé e histórias da diáspora. Foi nesse terreiro que “Pelo Telefone” ecoou pela primeira vez, obra que defendia ser coletiva, fruto da magia dos encontros. Dali, o ritmo que pulsava no coração do Brasil ganhou o mundo, e Lalau, com sua malandragem, firmou-se como um dos guardiões desse legado.
3 º Setor – O Rei de Ouro da Folia
No Rio, ao conhecer o Dois de Ouros, rancho que brilhava no Dia de Reis, rememorou sua infância na Bahia. Mas decidiu ir além. Num botequim da velha área central, entre goles e risos, ousou sonhar. Meio metro de pano verde, meio metro de pano amarelo, e o estandarte de seu reinado nasceu. Brilhante, alegre e original.
No cortejo real, o “Rei de Ouro” decidiu pular carnaval. Porta-machado, porta-bandeira e batedores abriram alas, desfilaram com graça e imponência e desafiaram convenções. O rancho conquistou as ruas, revolucionou a folia, e Lalau tornou-se o maestro de um carnaval que unia tradição e modernidade.
Em pouco tempo, os ranchos ganharam notoriedade e atraíram o povão. Diferentemente das sociedades carnavalescas, que reinavam nos bailes da elite de uma cidade que, entre canetas e picaretas, almejava transformar-se em uma ‘Paris Tropical’, os ranchos aproximavam o carnaval da cultura popular, principalmente da população negra e operária.
Do Rei de Ouro ao Rosa Branca, Botão de Rosa e Ameno Resedá, Lalau não era apenas um carnavalesco, mas um arquiteto da alegria. Blocos e ranchos brotavam de sua mente criativa e com eles ajudou a difundir o samba, até então marginalizado e perseguido, como uma expressão legítima da cultura popular brasileira.
Com o samba correndo em suas veias, uniu música, dança e narrativa, reescrevendo a história do carnaval.
4º Setor: Seu Legado Morrerá na Quarta-Feira de Cinzas?
Após a euforia, a ressaca de mais um carnaval. Mas aquela quarta-feira de cinzas seria ainda mais ingrata. O Diário Carioca noticiava a partida de Lalau.
“Faleceu, à primeira hora de ontem, quinze minutos após a despedida de Momo, este monarca sem pretensões nobilíssimas a quem ele serviu desde os dias da sua mocidade, o querido e veterano carnavalesco Hilário Jovino Ferreira.”
Ele, que tanto fez pela folia carioca, foi respeitoso até no momento da morte, aguardou o fim do carnaval para descansar eternamente.
Lalau se foi, e os ranchos foram junto com ele. Mas o carnaval não ficaria orfão do povão. E dos morros brotaram as primeiras escolas de samba. Elas ganharam as ruas, cresceram, conquistaram o seu espaço, e tudo isso erguido por mãos pretas.
O tempo passou e os Cartolas passaram a dar as cartas, e, quando necessário, viram a mesa. O samba sambou! Mas como será o amanhã? O tão sonhado Ziriguidum em 2001, com seu carnaval nas estrelas, ainda terá samba no pé? O sambista encontrará seu espaço entre carros alegóricos flutuantes e alas robotizadas? O cortejo continuará espontâneo, ou estaremos militarizados? O Mestre-Sala ainda riscará o asfalto? As cabrochas continuarão a brilhar no samba? O samba nascerá da sensibilidade de um compositor, ou se dissipará nos escritórios?
No futuro, haverá espaço para o legado de Lalau?
5 º Setor – O Eterno Cortejo de Lalau
O tempo avançou, mas o batuque de Lalau ainda ecoa nos corações dos foliões. Se o Rancho desfilou sua última marcha e a quarta-feira de cinzas tentou encerrar sua história, a verdade é que seu legado renasceu nos surdos e tamborins, nos riscados dos mestres-salas e no girar das porta-bandeiras.
O cortejo não parou. Ele apenas mudou de forma. O espírito irreverente e inovador de Hilário Jovino segue dançando pelas ruas e avenidas, agora sob os pavilhões das escolas de samba, herdeiras naturais de sua visão. O que antes era improviso se tornou espetáculo. O que antes era resistência virou tradição.
Mas a essência luta para não se perder. O samba, forjado nas noites de batuque da Pequena África e embalado pelo brilho dos ranchos, persiste. Ele desafia os novos tempos, driblando a espetacularização, o comercialismo e a modernidade fria que ameaça diluir sua alma popular.
Seu legado acompanhou grandes nomes que perpetuaram essa tradição: Joãozinho 30 e
Pamplonas, com suas grandes histórias e a reverência ao povo preto. Fernando Pinto, Márcia Lage e Oswaldo Jardim, responsáveis pela exaltação de um Brasil tropical. E os grandes mestres do requinte e das cores, Viriato, Max, Rosa e Arlindo, que trouxeram brilho e sofisticação ao Carnaval.
No fim das contas, o Rei de Ouro nunca deixou o carnaval. Está nos passos que riscam o asfalto, nos versos entoados nas arquibancadas, na emoção que transforma a avenida em templo. Pois, enquanto houver um tamborim a vibrar, enquanto o povo fizer da rua seu palco e da alegria sua bandeira, o cortejo de Lalau continuará.
A festa não termina na Quarta-Feira de Cinzas; ela renasce, porque o samba nunca morre!
Sites Consultados: Rio Memórias , Hilário Jovino Ferreira – Wikipédia, a enciclopédia livre , Hilário Jovino Ferreira – Dicionário Cravo Albin , Axé Rio! A Participação das Tias Baianas na Construção da Cultura Popular Urbana do Rio de Janeiro, 1850-1930.