Campeã do Grupo de Acesso I em 2022, o GRESV Império da Praça XI apresentou o enredo que marcará o seu retorno ao Grupo Especial do Carnaval Virtual em 2023.
De autoria de Lucas Guerra, a preto e dourado do Rio de Janeiro/RJ irá contar as musicalidades do Morro da Serrinha através do enredo “Batuques e cantorias para cantar a velha Serrinha”.
Confira abaixo a sinopse do enredo divulgada pela agremiação:
“Batuques e cantorias para cantar a velha Serrinha”
Da África ancestral ecoam os tambores daqueles que batalham pelos seus. Origem Bantu carregada nas cabaças, segredos guardados nas memórias e perpassados em cantos de saudade sob o luar. Ofange que cortou dores e protegeu seu povo na viagem ao qual foram submetidos. Raízes das sementes salvaguardadas que aqui germinaram e floresceram um novo tempo. Que a força do senhor da guerra siga nos acompanhando na reafirmação de nossa origem. Proteja-nos, guerreiro. Ògún Ieé!
Dos poderosos e implacáveis engenhos interioranos ressoam palmas e cantorias das sanzalas. O bater forte dos pés no chão levanta a poeira e eleva os desejos aos espíritos que guardam os trabalhadores. Névoa que traz de volta os protetores, dança que resistiu à travessia, força que resistiu à dor. Junto da noite caía a lágrima, junto da lágrima vinha a esperança. Foi em 13 de maio que as almas viram nos céus as asas da libertação dos engenhos. Celebração que foi do dia para a noite na fumaça da maria rumo à capital. Embelezamento central, embranquecimento local. Bonde que vai pra longe e chega no Madureiro, colina verde como a esperança e destino de nossa andança. Se sanzala é morada, a serra também há de ser.
De mais lugares chegaram outra gente, vieram as heranças e a cultura que, junto à nossa, nos fizeram permanecer de pé. Nessa colina reuniam as memórias entrelaçadas pelas cantigas e batuques em celebração ao novo pedaço de chão. A mata da serra guardava os espíritos das florestas, baixando nos terreiros onde eram louvados os ancestrais de toda gente. De longe se ouvia o canto do caboclo, era Pena Verde que firmava ponto no gongá. Junto dele vinha o preto-velho, Pai João, que ordenou que toda essa gente fosse feliz e celebrasse a vida. Assim fizemos. Em dias santos pedíamos licença para as entidades, vela acesa no terreiro e tambor a ecoar a velha dança. É o passo marcado junto das batidas que aqui virou Caxambu, Bambelô, Corimá. É o Jongo a resistir e celebrar as memórias e a vida, como falou Pai João. No recanto sagrado de Vovó Maria Joana essa gente juntou suas forças e culturas, festejaram seus protetores e suas crenças, alegraram a colina e fizeram da serra o seu novo lugar de memórias. Feijão pra Jorge, pipoca pro velho e doce pra criançada, a fé da Serrinha estava assentada.
Da vida simples e de muita labuta, a sobrevivência era o lema que ecoava pelas vielas e fazia o povo subir e descer o morro para trabalhar. É flor, é fruta, é estiva. Quando chegava a noite era hora de repousar para um novo dia que já iria chegar, o lazer vinha das palmas sincopadas acompanhadas de rimas que versavam sobre o cotidiano. Do partido floresceram as damas Quelé e Ivone, que junto às pastorinhas entoavam as melodias da velha serra por onde suas vozes passassem. Dele também chegaram os poetas Décio, Silas e Molequinho, o lazer em compor as letras que falavam da vida se transformou em um Prazer da Serrinha, que levava aos moradores a alegria que transbordava no carnaval. O trabalho era árduo, o desejo de viver ainda maior. Entre lutas e labutas, resistia o povo e suas heranças.
Ouça!
Das diversas celebrações da Serrinha, as afirmações de sua gente se propagavam. Foi no quintal de Tia Eulália, onde por muitos anos o Jongo reinou e se tornou referência, que o Prazer se tornou Império. O samba do menino de 47 deu frutos e criou gente bamba para a cultura brasileira. Essa que, para além do samba, também recebeu a afirmação do povo preto vinda dos bailes de charme, funk, rodas de pagode, batalha de rimas e sambas de roda que fizeram do morro o seu lugar de fala e de voz. O orgulho suburbano, celebrado desde a chegada ao Madureiro é, até hoje, o que faz da localidade um reduto de vivências, culturas e afirmação das afro-brasilidades.
Ouça!
Dentre as estórias contadas e registradas pela cultura africana da oralidade, a história dessa velha serra é o que nos faz mover em sua exaltação. Hoje, pedindo licença aos mais velhos e todos os ancestrais, vestimos o verde da esperança que tingia a colina e louvamos todos àqueles que escreveram seu nome nesse lugar. Quilombo que resistiu às diversas tentativas de seu apagamento, pertencimento que entranhou no solo do morro e fez raízes fincarem pé na ancestralidade de todos os povos que aqui habitaram. Entre as casas e terreiros, as coloridas escadarias, enfeitadas de fitas e flores, cabaças e bandeiras, luzes e velas, nos conduzem para o alto da capela de São José da Pedra. É Xangô, sincretizado no topo da serra, que segura e protege a comunidade que brada a sua existência feito trovão ecoando pelo ar. Ouça o grito de luta e resistência; ouça o batuque de união e celebração; ouça a cantoria de fé de um povo que resiste e segue com alegria. Muito Prazer, me chamo Serrinha!