Ponte Aérea apresenta enredo para 2017

Co-campeã de 2016, a Ponte Aérea apresenta seu enredo para 2017. “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, adaptação do filme de Glauber Rocha de mesmo nome, de autoria de Guilherme Estevão, é a aposta da Ponte. Confira a sinopse.

 

DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL

Vou contar uma história na veia da imaginação. Abrandem os seus olhos pra enxergar com atenção. É coisa de Deus e o Diabo lá nos confins do sertão. Terra castigada, onde o barro se avermelha pelo sangue da guerra, que corre entre os sulcos do chão, pela dimensão do Sol que queima e clareia. Ele, que rasga o firmamento de nosso Senhor, abrasa o clamor de quem morre de cede. Mas que não cede em meio a dor, abraçando a esperança em ver brotar o verde.

Mas o mesmo solo doente é o sonho dessa gente, como Rosa e Manuel que encaminham ao céu o pedido pelo próprio rincão. O vaqueiro rumou com a boiada em direção a cidade, planejando sua felicidade ao ganhar o tostão. Só que a seca é impiedosa, se ergue majestosa em meio aos bichos e a plantação. O que era esperança viva, hoje é carcaça no chão, conduzida pelos jagunços da morte em romaria ao encontro de um capitão.

Coronel Moraes, tão ruim quanto à seca, se alimentava da ignorância do humilde povo. Tentou lucrar de novo na partilha do gado. A culpa, pra ele, era do desgraçado Manuel que deixou os animais morrerem. Matando a esperança do pobre vaqueiro, viu brotar a fúria no olhar do sertanejo, que não tinha mais o que ter medo. No ventre de Moraes, empunhou a peixeira e, pelo agreste, fugiu com sua mulher sem eira nem beira.

Manuel e Rosa viviam no sertão, trabalhando na terra com as próprias mãos. Até que um dia, pelo sim ou pelo não, entrou em suas vidas o santo Sebastião. Trazia a bondade nos olhos, Jesus Cristo no coração. Nasceu no mês de fevereiro, anunciando que a desgraça ia queimar o mundo inteiro. Era fogo saindo das pedras, cem dias sem “chuvê”, e o caminho da salvação todos poderiam ver… lá do alto do Monte Santo.

Era o caminho pra levar ao céu o corpo e alma dos inocentes. Depois do morro, viveria sua gente, numa terra onde tudo é verde. Se os pobres faziam pão de pedra, farinha da terra, do outro lado, flor comeriam os cavalos e do leite do rio os meninos seriam alimentados. Teria água e comida, fartura do céu, e todo o dia quando o sol nascia aparecia Jesus Cristo e a Virgem Maria.

O profeta negro arrebanhou fieis, despertando a desconfiança de coronéis e, sobretudo, da Igreja sertaneja. Não queriam um novo Antônio Conselheiro, nem outra legião de romeiros. Muito menos levantes contra a República ou o poder católico. Em nome da fé, convocaram o matador de cangaceiro.

Enquanto Antônio planejava eliminar a comunidade, o Beato semeava sua verdade carregada de fanatismo. Era preciso matar pela fé, resistir as próprias dores, pois só o sangue dos inocentes salvaria os pecadores. Mas Rosa não aceitava essa verdade, ao seu marido pediu piedade e clamou para não seguir santo negro. Em meio ao medo e perplexidade, mataram o beato, fugiram pelas veredas enquanto o Antônio assassinava a comunidade, mas teve bondade com o casal sertanejo.

A descrente na fé, Manuel caminhava a pé pela terra seca, com sua mulher. Se juntaram ao diabo de Lampião e o pobre homem tornou-se então o próprio Satanás. Tinha o nome do coisa ruim, mas o coração não era de aço. Sua alma de romeiro não resistiria as leis do cangaço, onde a justiça era feita com sangue e piedade não tinha espaço.

A hora do juízo final estava próxima. Corisco estava cercado por Antônio das Mortes. Mesmo rendido se mostrava forte, não se entregou e se armou de fé. Na mão o punhal de São Jorge, na boca uma oração.

“Eu, José, com a espada de Abraão serei coberto. Eu, José, com o leite da virgem Maria serei borrifado. Eu, José, com o sangue de Cristo serei batizado. Eu, José, na arca de Noé serei guardado. Eu, José, com a chave de São Pedro serei fechado, onde não me possam ver e ferir, nem matar nem o sangue do meu corpo tirar”.

Se entrega, Courisco! Mas ele não sera passarinho para viver na prisão, e na luta do dragão da maldade contra o Santo Guerreiro, mataram Courisco. Enquanto o diabo de Lampião morre, Rosa e Manuel correm em busco do eterno sonho do mar no sertão. Tá contada a minha estória, verdade e imaginação. Espero que o tenha tirado uma lição. Que assim mal dividido, esse mundo anda errado. Que a terra é do homem, num é de Deus nem do Diabo.

 

* Trechos da trilha sonora do filme, desenvolvido por Glauber Rocha, e parte das falas dos personagens no filme, foram incluídas no texto como parte da construção literária da sinopse.

Author: Carnaval Virtual

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