Ponte Aérea apresenta enredo para o Carnaval Virtual 2025

3ª colocada do grupo na edição passada, o GRCESV Ponte Aérea apresentou o enredo que levará para a disputa do Grupo Especial, na edição comemorativa dos 10 anos do Carnaval Virtual.

De autoria de Lucas Guerra e Murilo Polato, a agremiação irá defender, em 2025, o enredo “A LUTA PELA TERRA”.

Confira abaixa sinopse oficial:

A LUTA PELA TERRA

“Chão onde brota a vida, que sustenta a luta. Desde sempre em disputa entre nativo e o explorador.
Chão que assistiu a sangria, o saque, a covardia com a natureza e com quem a cultivou.” – GRCESV Ponte Aérea 2018

APRESENTAÇÃO E JUSTIFICATIVA

O grito que ecoa do campo segue reverberando em nossas vidas. A semente outrora plantada deu frutos, fez morada na memória, e segue em fila, por amor a essa pátria Brasil. Nos 10 anos de Carnaval Virtual, o Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Virtual Ponte Aérea tem o orgulho de apresentar “A LUTA PELA TERRA”, uma releitura de nosso enredo de 2018, “É por amor a essa pátria que a gente segue em fileira”. Olhamos para o passado com ternura, em busca de, no presente, reforçar a potência que há nessa história. A nossa luta nunca acabou. Nossa, pois somos frutos de um solo dividido e arrendado. Onde àqueles que conhecem esse chão, nunca o terão como torrão.

A Terra, que deram nome de Brasil, ferve. A brasa escorre junto ao suor. A existência é sonhar com um amanhã melhor. Nos 525 anos que o invasor chegou a esse chão, exigimos: reforma agrária e demarcação. Não irá se apagar o passado. Mas é possível construir um novo futuro – se o nome dele for revolução! Derrubemos as cercas e amarras. Nos juntemos, com ordem, à rebeldia. É hora de fazer cumprir o sonho de tantos que se foram – e que não sejam em vão. Comemorar a vitória das calejadas mãos. De peito aberto, coração cheio de amor. A nossa bandeira é que no país que tudo produz, que ninguém tenha fome. Vamos à luta, por um país que não veja o verde virar fuligem. Vamos à luta, para não nos intoxicar. Vamos à luta, pela Terra, e o amanhã que iremos conquistar. E sempre vale a pena lembrar: A nossa alma é, foi, e sempre será, vermelha!

SINOPSE

TERRA – Da plenitude à invasão: RESISTIMOS!

Terra livre, madura. Terra de sangue vital. Maturidade que floresce em plenitude. Somos filhos de Abiayala, e aqui já estávamos quando o verde ainda era verde. Somos vida a viver entre as matas. Somos fauna que exala sapiência. Somos flora que celebra a existência. O verdejante manto sagrado cobria o eldorado sonhado pelo deus Tupã. A vida era tranquila, mas a cobiça singrou o mundaréu d’água e em nossas terras aportou. Roubaram nossas árvores, derrubaram nossa história. Levaram nossas riquezas, dizimaram nossas vidas. A terra que era livre, hoje é cativa, as amarras da invasão não foram capazes de nos impedir de existir e resistir. Erguemos arcos, flechas e zarabatanas. Empunhamos tacapes, bordunas e ibirapemas. A resistência foi Potiguar, Tamoio e Guarani. A luta agregou irmãos de Angola, Gana e Benin. O branco sistema nos fez escravizados. Persistimos, não nos calamos, fugimos. Cultivamos espaços de sobrevivência. Unimos esforços em nome da subsistência. Nossas terras, agora vermelhas de sangue e luta, abrigou quem sofreu e precisou. Passamos a existir com garra, força e ânimo. Ecoamos nossas vozes feito brados nos quilombos.

Logo oficial do enredo

GANÂNCIA – Dos saques à ilusão: SOBREVIVEMOS!

Feito uma peça de carne dividiram nossa terra, aos mais poderosos, ricos fazendeiros e donos de posses, deram seus nomes e chefias. Colonizaram nossa gente, compraram e arrendaram o nosso chão. Perdemos a liberdade e o direito de viver em plenitude. Aos mandos de uma coroa passamos a existir sendo obrigados a labutar nas plantações. Cana para adoçar o sangue que descia pelas gargantas dos exploradores. Café para despertar para mais um dia de opressão e tortura aos seus cativos. De suas terras frias e soberbas também desembarcou gente. A promessa de desenvolvimento fez com que a imigração viesse da Europa para cá. Aos campos foram condenados, como nós. O tempo foi de muita dor e tristeza, mas as asas da libertação chegaram para amenizar o sofrimento. Pura ilusão daqueles que viviam amarrados às enxadas. A abolição trouxe o fim utópico do sistema da escravidão e deu início a exclusão de nossa existência. Jogados ao léu, sem teto, sem roupa, sem vida. Presos junto às raízes regadas por nossas próprias lágrimas. Frutos de uma terra que, agora, jamais poderão chamar de sua. A liberdade foi somente no papel, e por interesse dos poderosos. Para nós restaram as ruas, margens e a sorte.   

FORÇA – Das ameaças às lutas: PLANTAMOS!

Sobrevivendo como podíamos, partimos para habitar terras abandonadas pelo interior de cada região. Criando, plantando, colhendo e cultivando, tentávamos caminhar e seguir em frente, mas nossas vidas eram perseguidas por aqueles que nos cerceavam, e nossa rotina se tornou a ameaça. O pequeno latifúndio foi invadido por grileiros a mando dos fazendeiros. Fomos, novamente, expulsos e violados. No mesmo campo em que nossas lágrimas caíam ao chão, florescia a esperança, aquele povo que lá estava se unia e acreditava que o amanhã haveria de ser melhor. O que a terra juntou, não há ganância que destrua. No interior da Bahia, Antônio liderou um grupo e por ele deu a sua vida. Os camuflados invadiram a região e acabaram com a esperança que brotava no lugar. Lá pelas bandas do Sul também dizimaram nossos sonhos. Na busca de sobreviver, o povo do campo foi lá para a ferrovia construir. Assim foi feito e, ao final, foram largados por terras contestadas. José Maria tentou resistir, mas não há como sobreviver em uma disputa entre balas de aço. O Contestado teve seu fim. Foi por essa mesma perseguição que, no Nordeste brasileiro, nasceu um movimento de quem não aguentava mais viver sob ameaças. Em terras onde as leis não funcionam para quem tem poder, a revolta surge feito cão como uma resposta às injustiças sociais. Juntaram-se às famílias expulsas de suas casas por poderosos coronéis, àqueles que perderam suas terras para posseiros e grileiros, àqueles que foram deixados à mercê do destino para sobreviver. Luta que se traduziu em rebeldia. Rebeldia que se transformou em resistência. Resistência que se batizou como Cangaço. Tantos episódios de opressão e perseguição uniram os povos de campo em um só ideal: resistir. De Norte à Sul as enxadas se juntaram e deram início a organização de uma frente para que suas vidas não fossem mais esquecidas e renegadas por quem estivesse no poder.

CAMPO – Das conquistas às violações: EXISTIMOS!

As conquistas da organização do campo foram destruídas com a ascensão de um regime que matou em nome da proteção de seus ideais, uma ameaça existente em suas mentes, perversas e delirantes, que destruíram vidas e progressos. Nossa luta quase foi apagada. Não conseguiram. Resistimos! Os ricos fizeram uma formalização da terra de acordo com os interesses dos seus bolsos. Usaram o poderio do dinheiro para tentar fazer de nossa terra o que bem entendiam. Junto dessa formalização, veio a ajuda dos irmãos de fé em nossa luta. As pastorais da terra tentavam minimizar a dor causada pelo regime e levar dignidade para nossa gente que estava em meio às plantações dos campos. As granjas Macali e Brilhante marcaram a resistência do campesinato perante a ditadura. A Encruzilhada Natalino nos trouxe de volta a luta por nossos direitos. Feito uma procissão, uniram-se a nós as pastorais, a população que sofria as consequências do regime ditatorial, e a sociedade civil, que buscava a democratização do país, lutando por terra enquanto o major, de nome de pássaro, Curió, tentava dizimar todos que ali tomaram as fazendas improdutivas e ergueram acampamento. Caminhamos e enfrentamos de cabeça erguida. Começava ali o início da uma longa jornada, com um objetivo muito maior que nós, resultando na ampliação de nossa união. Convocamos o campo para debatermos nosso futuro, ali pautamos que a luta deveria ser de igual para igual, se nos assolam com tiros, guerras e violências, vamos gritar e lutar da mesma frente: a reforma só irá sair se, juntos, fizermos o movimento de nome revolução. Unidos pela esperança, pela força que o campesinato dá à terra e dela retira seu sustento, pela luta dos direitos dos trabalhadores de um movimento que busca o direito de cada ser humano ter o seu pedaço de chão, têm início o movimentar dos trabalhadores das lavouras, plantações, fazendas, e das terras.  

LUTA – Das memórias ao futuro: SEGUIREMOS!

Os anos se passaram e o movimento ainda é perseguido e condenado pelos olhos e pensamentos infundados daqueles que sequer buscam saber nossa história de luta. A marginalização de nossa gente não é novidade e, por isso, que seguimos fazendo da lona preta nosso teto de sonhos. É debaixo de cada barraca de ocupação que fazemos valer a luta de nossos ancestrais, desde a invasão até os que enfrentaram as armas e a truculência. Taxados de todos os nomes possíveis, acusados dos mais diversos crimes seguimos sendo os algozes daqueles que nos oprimem. Orgulhosos de nossa história e organização, jamais iremos nos render às tentativas de imputação de atrocidades aos nossos que, diante de tudo o que enfrentamos, ainda lutam a mesma luta de onde tudo começou: o reconhecimento das nossas terras. Nessa luta vieram os irmãos indígenas pela defesa e reconhecimento de seus territórios, dos irmãos de quilombo, a bandeira de suas terras de pertencimento e bravura no acolhimento e resistência de memórias. A luta pela terra se ampliou, e compreendemos que as origens são as mesmas. Hoje plantamos e semeamos o amanhã, sonhando com um país demarcado, aquilombado, respeitado e reformado. A reforma agrária já não mais é uma pauta exclusiva de quem luta pela terra, ela é a necessidade civil de defender quem a habita, e por ela dá a sua vida, impedindo que gananciosos poderosos continuem agindo como no princípio, invadindo nossos espaços e dizimando nossas existências. Ergamos a bandeira contra o agro que nos intoxica, que utiliza sem moderação os recursos naturais que ele mesmo contamina com seus produtos químicos. Para que o futuro exista é necessário retomar a luta, essa que nunca se findou, assim como o campo que jamais adormeceu. Se o campo adormecer a luta está perdida, e se aqui estamos, celebrando os que bravamente lutaram por nós, é porque seguimos em fileira nas trincheiras. Há 7 anos atrás ecoamos o grito pelo movimento que aqui nos unimos. Hoje, pautados na mesma luta, fazemos ecoar o brado pela Terra-Brasil. Que juntos sigamos firmes no manifesto por um Brasil de alma vermelha, pigmentado pelo sangue da dizimação de quem nos originou, pela dor das vítimas da violência política e social, pela força da luta que travamos todos os dias pelo direito ao nosso território. Essa terra há de ser, de fato, do povo, o sonho há de acontecer e o povo será feliz.  Enquanto houver força em nós, seguiremos de punhos erguidos, derrubando cercas e amarras por um Brasil de esperança. A nossa alma é, e seguirá sendo, nas lutas e nas lembranças, vermelha.

Lucas Guerra e Murilo Polato
Em reverência aos diversos artistas que pelo GRCESV Ponte Aérea
passaram e contribuíram para a construção dos 18 anos de história.

REFERÊNCIAS

É por amor a essa pátria Brasil que a gente segue em fileira. [S. l.]: GRCESV Ponte Aérea, 2018. Disponível em: https://www.carnavalvirtual.com.br/site/conheca-o-enredo-do-grcesv-ponte-aerea-para-o-carnaval-2018/. Acesso em: 13 mar. 2025.

FERNANDES, Bernardo Mançano. Brasil: 500 anos de luta pela terra. Revista de Cultura Vozes, v. 93, n. 2, p. 9-17, 1999.

FERNANDES, Maria José Costa. Da luta pela terra à luta pela Reforma Agrária no Brasil. Revista GeoInterações, v. 1, n. 1, p. 55-67, 2017.

GASPAROTTO, Alessandra; TELÓ, Fabrício. histórias de lutas pela terra no brasil. São Leopoldo, 2021.

STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. In: Brava gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. 1999. p. 167-167.

Author: Lucas Guerra

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