Sankofa apresenta enredo para o Carnaval Virtual 2025

Em mais um retorno ano Carnaval Virtual, o GRESV Sankofa apresentou o enredo que levará para a disputa do Grupo de Acesso II na edição comemorativa dos 10 anos do Carnaval Virtual.

De autoria de Guilherme Niegro e Vivian Pereira., a agremiação irá defender, em 2025, o enredo “CALUNDUS DE LUZIA PINTA”.

Confira abaixa sinopse oficial:

CALUNDUS DE LUZIA PINTA

PRÓLOGO 

Nos confins do tempo, entre os suspiros das árvores e os murmúrios dos rios, ergue-se a história de uma alma marcada pela trajetória dos ventos e pelas cicatrizes do destino. Eu,

Luzia Pinta, preta, forra, solteira, nascida sob o sol ardente de Angola e enraizada na terra de Vila de Sabará, trago comigo a incerteza de minha genealogia, aprisionada desde o nascer neste corpo que já viu o peso da escravidão. É na sombra de minha própria história que em lembranças encontro meus irmãos, João e Ângela, companheiros de travessias em uma infância marcada pela imensidão dos caminhos desconhecidos. Posso narrar minha vida de trás para frente ou ao contrário se alguém preferir que assim seja, vou desvendando os mistérios do tempo, mas para os inquisidores que me julgaram, meu relato se encerra onde suas mentes limitadas creem que tenha começado. Foi numa manhã de agosto, no longínquo ano de 1743, no tribunal do Santo Ofício da Torre de Tombo em Lisboa, capital de Portugal, que minha fé foi posta à prova, não apenas pelos açoites físicos, mas principalmente pelas palavras que dilaceraram minha carne e minha alma. Acusaram-me do mais infame dos crimes aos olhos de quem professa a fé neste mundo: Feitiçaria, serva do mal. Rotularam minhas práticas de cura como artimanhas do demônio.

Eu, que já nasci sob a égide do Deus católico, encontrei na minha fé a liberdade, desde os dias em que os grilhões me prenderam em África. Em nome dessa fé, fui agraciada com visões, como aquela que me visitou pela primeira vez quando eu era apenas uma menina de tenra idade, desfalecida aos pés de uma árvore. No turbilhão da visão, mergulhei em um rio de tranquilidade ao lado de uma velha senhora, de pele escura e cabelos alvos como as nuvens dos céus. Naquele instante, experimentei uma paz que transcende qualquer compreensão anterior. Dentro desta quimera estive em um casebre que encontrei ao passar por uma encruzilhada tentando achar o meu destino, neste aposento um senhor negro de barba branca e grande, estava sentado em um cadeira e rodeado de crianças da cor de ébano como eu estavam em semblante feliz. Ao acordar aos Pés do padre da cidade de São Paulo de Luanda, contei a ele esta visagem que tive, sem mencionar a cor da pele do senhor que eu vi. Para o Padre este Senhor era Deus, e foi aí que me apeguei mais a minha fé naquele Deus da minha revelação!

Logo oficial do enredo

Nas horas sombrias das sessões de inquisição que duraram meses, tentaram arrancar de mim a essência de minha fé, obrigando-me a renegar os laços que me uniam ao Deus que conheci, apesar de todas as adversidades. O calundu que brota das tradições de meus Nkulu transcende a estreiteza do pensamento cartesiano, sendo para nós cura, dança, destino e virtude. Pelas terras de onde vim, ele é conhecido por muitos nomes, cada qual carregando a singularidade das ervas, dos animais, dos solos e das pessoas. Contudo, a cosmogonia de meu povo, os Bantos, é tecida com fios de eternidade, entrelaçando o começo ao meio e ao recomeço incessante. Hoje, meus passos ecoam na memória do povo preto, e vez ou outra sou convocada a descer aos terreiros desta terra para tecer curas aos corpos enfermos, mantendo viva a chama Nkulu que arde em meu peito. No fluxo perene da vida, nada se repete, tudo se transforma, assim como o vento que sopra e a alma que dança ao ritmo dos tambores ancestrais.

SINOPSE 

Baixando neste terreiro transmutada no pássaro Sankofa, permitam-me contar minha história, imbuída de memórias dos tempos passados e daquilo que vivi e testemunhei. Para o carnaval virtual de 2025 minha saga é enredo do Grêmio Recreativo Escola de Samba Virtual Sankofa! Eu, Luzia Pinta, vi o sol nascer em terras distantes, banhando as planícies de Angola com seu esplendor dourado. Nasci escravizada ainda em minha terra natal. Em minha memórias remontam de uma idade em que os sonhos são tecidos de esperança e inocência, forçada a cruzar o vasto oceano que separa continentes, em um navio que mais parecia uma prisão flutuante. Cheguei à Bahia, onde o ar carregava o aroma da liberdade negada, e dali fui levada às terras áridas e cobiçadas de Vila Sabará, nas entranhas de Minas Gerais, onde o ouro corria como sangue nas veias da terra. Hoje, meus passos ecoam na memória do povo preto, e vez ou outra sou convocada a descer aos terreiros desta terra para tecer curas aos corpos enfermos, mantendo viva a chama Nkulu que arde em meu peito. No fluxo perene da vida, nada se repete, tudo se transforma, assim como o vento que sopra e a alma que dança ao ritmo dos tambores ancestrais.

Mulher negra, marcada pela sina dos escravizados, mas também Nganga, a sacerdotisa, emissária de visões que se abriram para mim ainda na infância em Angola, recebi os ensinamentos de minha Tia Maria. O destino entrelaçou minha história com as correntes do Atlântico, aquela Kalunga Grande que engoliu tantas vidas e sonhos de meus ancestrais.

Registros fragmentados narram minha jornada, testemunhos da violência que permeia o sistema escravista e colonial. Minha carta de alforria é um eco silencioso de uma batalha travada nos bastidores da opressão. Mas não fui a única a sentir o peso da injustiça e da intolerância. Em meio aos rituais, eu reunia pessoas de todas as origens, unidas na busca por cura e proteção. A fé não conhecia fronteiras entre os oprimidos. Mas para os olhos inquisidores, nossos cânticos e danças eram profanos, uma afronta à ordem estabelecida. Não bastou me crismar na igreja católica deles, mas eu sabia que minha devoção transcendia os limites impostos pelo colonizador. Sob a tutela do negro Miguel, mestre dos segredos ancestrais, encontrei minha verdadeira vocação. Tornei-me através dos ancestrais, sacerdotisa, curandeira, guardiã dos mistérios que tecem o universo.

Nos confins de Sabará, eu erguia meu altar, mesclando símbolos sagrados das três linhagens nas quais tive contato para escrever minha sorte. O ouro que acumulei servia não só para minha libertação, mas também para honrar os santos que me assistiam nos momentos de cura. Por meus lábios, fluíam preces em línguas esquecidas, uma mescla de lembranças ancestrais e ensinamentos cristãos. Mas para os inquisidores, minhas palavras eram blasfêmias, um desafio à supremacia branca e ao domínio da igreja. No ano de 1742, fui arrancada do mundo em que construí em Sabará e lançada aos cárceres sombrios do Santo Ofício, acusada de praticar os rituais sagrados dos calundus. Os calundus, herança dos povos Kimbundus, eram para mim uma ponte entre o mundo dos vivos e dos Nkulu, uma celebração da vida e da conexão com o sagrado.

Fui torturada, exilada, mas não puderam silenciar minha voz nem apagar minha luz. Mesmo longe de minha terra, continuei a tecer os fios da cura e da esperança, até que, finalmente, meu espírito ancestralizou e minha história mesmo que por fragmentos pode ser contada, de vez em quando ainda baixo nos terreiros que sucederam os calundus, sou energia vital. Que minha história seja um testemunho da resistência e da resiliência daqueles que ousaram desafiar o jugo da escravidão e do preconceito. Que o vento sopre minhas palavras através dos séculos, para que jamais se esqueça o legado de Luzia Pinta, a sacerdotisa que dançava entre pontos riscados por Mpemba.

Author: Lucas Guerra

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