Estreante no Carnaval Virtual, o GRES Unidos de Aruanda Siará apresentou o enredo que levará para a disputa do Grupo de Acesso II na edição comemorativa dos 10 anos do Carnaval Virtual.
De autoria de Rogerio Malveira Barreto, a agremiação irá defender, em 2025, o enredo “Os verdes mares tem mais que Dragão: Preta Tia Simoa, Maria Tomásia e as mulheres que fizeram do Siará ‘Terra Luz'”.
Confira abaixa sinopse oficial:
Os verdes mares tem mais que Dragão: Preta Tia Simoa, Maria Tomásia e as mulheres que fizeram do Siará “Terra Luz”
TEXTO RESUMO
O Siará — que no idioma tupi significa “o canto da jandaia” ou “onde o siri corre” — é chamado de “Terra da Luz” desde 1883. Para além do forte sol e belezas naturais, o estado ganhou o nome por ser o primeiro a abolir a escravização no Brasil.
Mas… de quem era essa luz?
Às margens dos verdes mares, antes mesmo do conhecido “Chico da Matilde” ou “Dragão do Mar”, outras vozes se levantaram. Na liderança da primeira greve de jangadeiros em 1881 estava Preta Tia Simoa: Mulher negra, liderança de religião de matriz africana, que mobilizou 1500 pessoas que enfrentaram a polícia.
Com ela, muitas: Ana Souza, Balbina, Felícia, Joana, Vicência, Maria da Ponte, Jovita, Prudência, Maria da Canção. Mulheres negras que, mesmo sem artigos nos jornais e sendo apagadas da história, escreveram sua luta na difícil realidade que viviam.
Houve aquelas de outras camadas sociais, como Maria Tomásia, que, enfrentando a rigidez patriarcal da aristocracia, fundou a “Sociedade das Cearenses Libertadoras” para pressionar políticos, chegando a financiar alforrias. A partir do seu contexto de opressão, elas também lutaram.
Quantas outras mulheres foram esquecidas? Quem ainda ficou na sombra?
A Aruanda Siará estreia no Carnaval Virtual para contar a história da abolição cearense reverenciando o papel das mulheres, nesta “Terra da Luz” que a promessa ainda luta para se cumprir. É relembrando a força dessas mulheres, especialmente as mulheres negras, que voltamos às raízes da história do Siará.
Porque só há Brasil com S porque há Siará com S — de Simoa Maria Conceição, de Semente e Sonho
ENREDO
O estado do Ceará com suas belas praias e sol forte tem como nome ancestral “Siará”, que em tupi significa “o canto da jandaia” ou “onde corre o siri”. Outra referência ao estado é “Terra da Luz”, que muito se pensa ser sobre suas belas praias e forte sol.
Na verdade “Terra da Luz” foi como José do Patrocínio, o “Tigre Negro”, chamou o Ceará em 1883 por ser a primeira província do Brasil a abolir a escravização. O processo iniciou na vila do Acarape, que por conta do feito é chamada hoje de Redenção.
Uma das figuras mais conhecidas do movimento abolicionista cearense é o jangadeiro negro Francisco José do Nascimento, o “Dragão do Mar”. Francisco José nasceu em 1839, sendo filho de pescador e de dona Matilde – daí o também nome de “Chico da Matilde”. Desde os 8 anos trabalhou em navios, sendo depois comandante e nomeado prático-mor da Capitania dos Portos do Ceará – pessoa que faz a gestão das atividades.
Na época, o porto realizava o transporte e comércio de pessoas escravizadas para outras províncias, como o Rio de Janeiro. Em 1881, os jangadeiros – que em sua maioria eram ex-escravizados ou descendentes de pessoas escravizadas – recusaram-se a fazer o transporte de escravizados da praia até o navio onde iriam ser transportados.
O episódio que teve a liderança de Francisco José ficou conhecido como a greve dos jangadeiros, associado à frase “no Ceará não se embarcam mais escravos”. Do seu feito heróico de liderança, Francisco passou a ser o “Dragão do Mar” e símbolo da abolição no estado.
Essa é a história que ficou registrada e continuou sendo contada. Antes de o Dragão do Mar levantar sua voz, outras forças já haviam se insurgido. A greve, porém, aconteceu em dois momentos distintos no ano de 1881, tendo Francisco José participado da segunda delas, em agosto. Em janeiro houve uma greve liderada por José Luis Napoleão e sua esposa na época Simoa Maria Conceição – que teve ainda maior apagamento por ser mulher e negra.
José Luis Napoleão era uma pessoa negra ex-escravizada que comprou sua própria liberdade, a de quatro irmãs e outros companheiros. Em 1881 era chefe da capatazia de jangadeiros, tendo participado das duas greves. Após a primeira greve, foi procurado por membros da Sociedade Cearense Libertadora (SCL) para compor o movimento. A SCL era composta pela elite econômica da época, formada majoritariamente por homens brancos. Napoleão recusa a participação e indica Francisco José, que se alia ao movimento. Vale mencionar que Francisco José não passou pelo processo de escravização e sabia falar outras línguas, sendo um perfil mais próximo dos abolicionistas. Logo após, Napoleão funda seu próprio movimento, o Club dos Libertos.
Simoa Maria Conceição, conhecida como Preta Tia Simoa, também era liberta assim como Napoleão. Foi uma liderança religiosa de terreiro que, como seu nome aponta, possuía reconhecimento popular, sendo mencionada como “preta velha” em um registro. Com sabedoria ancestral e força coletiva, Preta Tia Simoa movimentou não só jangadeiros, mas toda uma comunidade invisibilizada. Ela ajudou a recrutar participação para a greve, organizou reuniões e convocou moradores da região, gerando consciência social e organização política. Além disso, acolhia fugitivos e apoiava em construir rotas de fuga.
Estima-se que 1500 pessoas compareceram para apoiar a greve, mobilizadas por Preta Tia Simoa. A mobilização foi fundamental, visto que a polícia foi acionada durante a greve para prender os jangadeiros e não tiveram sucesso por conta das pessoas presentes. Apesar de sua importância, Preta Tia Simoa teve sua história reconhecida somente nos últimos 20 anos, tendo em 2021 promulgada a Lei 17688 que institui o dia 25 de julho como o Dia Estadual da Preta Tia Simoa e da Mulher Negra.
Mesmo com poucos registros, a história de Preta Tia Simoa é a que temos mais registros enquanto mulher negra na luta abolicionista. Também merecem destaque a sogra de Dragão do Mar, que escondia escravos fugidos; e Luceta Pereira de Andrade, que colaborou com as festas de caridade promovidas pelo
Club dos Libertos. Demais mulheres negras importantes para o momento e que tem-se registro são: Ana Souza, Balbina, Felícia, Joana, Vicência, Maria da Ponte, Jovita, Prudência e Maria da Canção.
Em um outro universo e polo social, enfrentando outro grau de opressão patriarcal, estão as mulheres da aristocracia cearense, que tiveram participação no movimento e também sua importância apagada – em grau menor que Preta Tia Simoa. A maioria dessas mulheres eram esposas de aristocratas e fundaram a “Sociedade das Cearenses Libertadoras”, liderada por Maria Tomásia, que desde 1877 estava presente em campanhas abolicionistas. Com 22 componentes, o grupo fundado em 1883 tinha como função influenciar os políticos da época. Em sua primeira reunião, conseguiram assinar 12 cartas de alforria.
Outras mulheres de destaque neste movimento foram Francisca Clotilde Barbosa de Lima, que escrevia textos nos jornais da província sobre a realidade escravocrata, e Emília de Freitas, que também escrevia textos em jornais, bem como obras literárias sobre a emancipação feminina.
Na assinatura da Carta Magna em 25 de março de 1884, que abole a escravidão no estado, as mulheres da Sociedade das Cearenses Libertadoras estavam presentes, o que não ocorreu com Simoa e sus companheiras, bem como Napoleão. Apesar de partilharem a luta abolicionista, as mulheres da aristocracia e as mulheres negras travavam batalhas em terrenos distintos de opressão
Mesmo com a assinatura, assim como no Brasil, há relatos de pessoas escravizadas nos anos seguintes da assinatura, bem como a manutenção da estrutura social: Pessoas negras libertas transformaram-se, quando inseridas no mercado de trabalho, em trabalhadores mal-remunerados, como uma “atualização” do sistema. O Siará virou mesmo a “Terra da Luz” ? Quem aproveita dessa Luz
É com o propósito de contar a história abolicionista cearense e seus impactos no presente a partir das histórias das mulheres que a Aruanda Siará faz sua estreia. Reimaginar o período com os dados que se tem, a luta de mulheres negras e brancas da época com seus desafios. Para começar, tem de se saber de onde veio. E é reavivando a história apagada que voltamos para nossas raízes para reforçar o Siará, nome indígena original do estado do Ceará.
Só há o Brasil com S porque há o Siará com S, de Simoa Maria Conceição, de Sonho e de Semente
Idéia: Amanda Brenner e Rogério Malveira
Texto e concepção: Rogério Malveira
REFERÊNCIAS
“O Protagonismo Feminino no Movimento Abolicionista Cearense” – Grecianny Carvalho Cordeiro https://www.institutodoceara.org.br/wpcontent/uploads/2025/01/2023–06–OProtagonismoFemininonoMovimentoAbolicionistaCearense.pdf
Preta Tia Simoa: a heroína negra que articulou motins contra a escravidão no Brasil e tem memória resgatada pelas novas gerações | Ceará | G1 – Gabriela Feitosa https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2024/07/27/preta–tia–simoa–aheroina–negra–que–articulou–motins–contra–a–escravidao–no–brasil–e–temmemoria–resgatada–pelas–novas–geracoes.ghtml
‘Preta Tia Simoa, mulher preta que ultrapassou os limites impostos pelo sistema’ – Entrevista com a historiadora Karla Alves https://www.brasildefato.com.br/2023/04/18/preta–tia–simoa–mulher–preta–queultrapassou–os–limites–impostos–pelo–sistema/
A luta das mulheres na abolição da escravidão no Ceará – Paola Jochinsen https://www.brasil247.com/blog/a–luta–das–mulheres–na–abolicao–da–escravidaono–ceara
Tia Simoa e Maria Tomásia – A memória das abolicionistas cearenses no março de 2024 – P.A. Damasceno https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/opiniao/colunistas/padamasceno/tia–simoa–e–maria–tomasia–a–memoria–das–abolicionistascearenses–no–marco–de–2024–1.3494481
140 anos do movimento dos jangadeiros: um novo olhar – Hilario Ferreira https://cearacriolo.com.br/140–anos–do–movimento–dos–jangadeiros–um–novoolhar/
Liberdade na Terra do Sol: A greve dos jangadeiros e o movimento abolicionista no Ceará – João Artur Ricardo de Oliveira https://repositorio.unilab.edu.br/jspui/bitstream/123456789/2837/1/Tcc%20com %20ficha%20%281%29.pdf
UM CABO SUBMARINO NA MARÉ ABOLICIONISTA: INFRAESTRUTURA COMUNICACIONAL CONTRA A ESCRAVIDÃO NO CEARÁ (1873-1888) – Ruy Cézar Campos Figueiredo, Universidade Federal Fluminense https://www.scielo.br/j/rh/a/StKnQpWcWxBxCbmmzKgxqQj/?lang= pt
Live “Preta Tia Simoa, a abolicionista cearense” – Nenzinha Ferreira e Megg Lima https://www.youtube.com/watch?v=ACc1RI–jQmE