Recanto do Beija-Flor mostra equipe e enredo para 2017

A Recanto do Beija-Flor consolida sua equipe para o Carnaval Virtual 2017, além de apresentar o seu enredo para o próximo desfile. No departamento artístico, Eduardo Tannús (ex-Caboclinho Verde) se une a Andre Dubois e Alberto Lemos. Na área musical, entra Victor Nowosh (ex-Nenê do Brasil).

O enredo para 2017 é uma provocação às convenções que se vêem nos livros de história do Brasil, e conecta a Polinésia e a mitologia Maori ao Brasil. Confira a justificativa e a sinopse.

 

DONA ROSA, NÃO FOI SEU SEU CABRAL QUEM DESCOBRIU O BRASIL DOIS MESES DEPOIS DO CARNAVAL!

JUSTIFICATIVA

O enredo da Recanto do Beija-Flor de 2017 já tem no seu título uma provocação. Não é uma provocação apenas ao carnaval da Imperatriz Leopoldinense do ano 2000 e sim à historiografia e aos livros de História. Nessas terras não descobertas pelos brancos, já tínhamos por aqui civilizações que merecem o protagonismo dos autóctones. É um enredo cheio de implicância. Implicância para com as convenções.

Se a chegada do homem à América tem como teoria mais aceita a passagem dos homens pelo estreito de Bering, nós optamos pela menos convencional teoria da chegada dos maori polinésios, via Pacífico, à América do Sul. Esse povo do mar, andarilho, corajoso e heroico teria chegado aqui em suas canoas, pelo menos nove séculos antes de Jesus de Nazaré pregar na Galileia.

Nossa narrativa é uma história que ultrapassa o tempo dos homens. Por isso mesmo não podemos contá-la sem a ajuda de seres atemporais. Por isso fomos buscar na antropologia, nos mitos e crenças dos maori polinésios suas compreensões sobre a criação do mundo por seus deuses. Os polinésios são bastante diferentes de nós no que concerne à sexualidade. Falar de sexo para os polinésios é como falar de comida, de amizade, de qualquer coisa cotidiana. Para eles, uma relação sexual não é pecado. Muito pelo contrário! O sexo é a salvação e a criação! Foi através de atos sexuais que seu casal de deuses criadores (Lono e Kila) criaram o mundo. Sete atos de amor, cada um referente a um dia da semana, criaram o mundo e tudo que nele há. Você pode estar se perguntando: essa história contada é verdade? Querido leitor, esqueça seus padrões de verdade e ciência! Nessa narrativa, adentramos no mundo dos mitos. Mitos, como lembra-nos o renomado antropólogo Levi Strauss, que existem para significar o mundo e tudo que nele há. Os mitos são como fontes para nossa existência. Eles forjam um universo de magia, leveza e beleza, assim como o carnaval. Eles invertem, subvertem, colorem e desbotam o mundo que chamamos de real.

Numa Gênese de sensualidade e prazer, Kila e Lono criam, no primeiro ato, o céu e a terra; no segundo, a flora; no terceiro, a mega fauna; os continentes no quarto; o homem e a mulher no quinto; deram ordem aos homens de se expandirem pelo mundo no sexto; criaram o mistério da História e do Arbítrio no sétimo.

A cosmologia polinésia é bastante diferente da cristã. Se temos um Deus único, masculino, assexuado e sujeito de tudo, os polinésios tinham um deus e uma deusa em equidade. Lono e Kila criaram tudo e davam de presente um ao outro suas criações de amor. Kila e Lono criaram o homem e a mulher em igualdade. Não houve essa história de uma vir da costela do outro! Criaram os dois ao mesmo tempo para não dar confusão! Apesar de terem dado ao homem e à mulher a sabedoria dos deuses, mandaram-lhes tratar os animais e tudo que há de vivo na Terra com equidade e respeito. Dizia o sábio Sócrates que os deuses carregam consigo a expectativa dos homens de seus tempos, já que eles são criações dos homens. Se assim for, nossos deuses criaram um mundo um tanto quanto científico. O primeiro casal foi colocado por Lono e Kila na Àfrica, eram negros sim, tinham cabelos duros sim, beiços grandes sim, ancas sensuais sim, eram ébanos sim… Da África, conforme ordenaram-lhes Kila e Lono, foram andar pelo mundo. O casal que não era bobo nem nada, nem eram chatos, resolveu criar humanos de peles, cabelos, olhos e estaturas diferentes. Os sábios deuses eram adeptos do multiculturalismo. E achavam o mundo múltiplo uma delícia! Encantaram-se com a diversidade!

Kila e Lono criaram as estrelas para orientarem homens e mulheres à conquista do paraíso. O paraíso polinésio é aqui na Terra. É palpável! Seu casal original nunca foi expulso dele! Ele fica a leste das terras polinésias. Foi chamado primeiramente de Nova Rani – Nova Polinésia. Lono e Kila deram aos polinésios o paraíso. Indicaram o caminho de conquista do mesmo. Indícios arqueológicos apontam que esse paraíso é hoje o país conhecido como Brasil.

Depois do sétimo ato de amor, cansados, abraçados um ao outro, disseram aos homens e mulheres: “Agora é com vocês! Vão ao mundo e divirtam-se!” Assim, criaram e deram aos homens e mulheres a História e o Arbítrio!

O sétimo dia dos deuses durou milênios. Eles acompanharam de perto a trajetória do homem pelo planeta. Viram florescer no Brasil, na América do Sul, complexas civilizações. Enamoraram a humanidade por milênios. Até que… vocês já sabem, né? Até que umas criaturas de pele branca, fedidas e peludas passaram a se sentir superiores às outras criaturas espalhadas pelo globo.

A Recanto não deixará se abater pelo pessimismo histórico! Até porque Kila e Lono são deuses de promessas cumpridas! Prometeram amar e encaminhar mulheres e homens bons para o bem. Por isso, prometemos desde já um desfile suntuoso, à altura dos mistérios, segredos e vigor dos deuses e homens realmente descobridores dessa terra!

 

SINOPSE

Sete atos de amor: a criação do mundo e tudo o que nele há.

No princípio, Lono e Kila se deitaram. Da cópula do masculino com o feminino, criou-se o céu e a terra.  Ao avistarem a primeira criação gerada por seu amor, viram que era bom.

No segundo dia, Kila e Lono se deitaram mais uma vez. Do amor nasceu o chão. Lono e Kila viram que era bom. Kila maravilhada ordenou: “Que do encontro das águas com o chão seco nasça a relva; da relva, ervas que produzam sementes e árvores que dêem frutos sobre a terra; frutos que contenham sementes, cada uma segundo a sua espécie”. E assim foi feito. Eles admiraram sua criação e viram que era bom.

Maravilhados e alimentados com o banquete de vossas criações, Lono e Kila se amaram no terceiro dia. Lono disse: “Que as águas fiquem cheias de seres vivos e imensos pássaros voem sobre a terra, sob o firmamento do céu”. Lono ofereceu à sua amante, a sua deusa esposa, a criação do terceiro dia. Ela a chamou de “megafauna” e admirou-a como a um filho.

No quarto dia, abraçando-se sem cansar, sem parar, tarde e noite, tremendo nas águas úmidas de Namolokama (o “mar do amor” polinésio) a água os chamava para a proa do barco da criação. E de lá eles criaram os seis continentes. E foi nesse dia também que, segundo a sabedoria polinésia, criaram o Ocidente e o Oriente e os separaram:

“Oh Fronteira do Ocidente,
Oh Firmamento Superior,
Oh Firmamento Inferior,
Cá está seu tesouro,
Atenção, oh espíritos guardiães da noite,
Preservem sua criança (o Brasil),
Assegurem-lhe um marido chefe que governe a região. ”

Viram que era bom. Admiraram suas criações. E na noite do quarto para o quinto dia se amaram intensamente. De seu amor do quinto dia criaram o homem e a mulher. Após a astenia do grande ato, determinaram que os primeiros homens fossem negros, habitassem a África e dessem origem a toda humanidade.  Kila abençoou o continente africano e o chamou de “mãe África”. Ninaram o primeiro casal, ensinaram a eles coisas que só os deuses sabiam e os intuíram a conviverem com os animais com equidade e respeito.

No sexto dia Lono e Kila não criaram nada. Pai e mãe da humanidade, os deuses deram algumas instruções aos homens. Instruíram-lhes a ocuparem todos os continentes. Da África, os homens chegaram à Europa e os deuses como pintores de sua criação determinaram que suas peles clareassem. Viram que o múltiplo era belo. Da África, os homens foram para a Ásia. Kila aos beijos com Lono, pincelou na pele dos asiáticos um tom amarelado. E viram que os homens eram múltiplos e que a multiplicidade era bela e boa. De forma lúdica, os deuses amantes foram brincando com os olhos, os cabelos, as alturas, as línguas da humanidade, pois homens e mulheres eram suas grandes criações. O sexto dia foi de muita alegria. De muito amor e de muita criação. Fizeram dos continentes seu ateliê.

Deram aos polinésios, povo de pele ameríndia, povo do mar, a missão de ocuparem a América. A América do Sul. Seu paraíso, como mostraram as profecias acima, seria uma terra, no futuro, chamada “Breasail”. Brasil! Uma próspera terra de fauna maravilhosa. Os polinésios deveriam usar de seus conhecimentos para chegarem à terra da promessa.

Depois de tudo criarem, num quadro de aparente abulia pós-coito, Kila e Lono conceberam a História. No descanso do sétimo dia temos o mistério da trajetória da humanidade. Não sabemos com certeza se os deuses exaustos e maravilhados viram a história que se segue como sonho ou pesadelo. Chamaram a saga dos polinésios rumo à América e de arbítrio. Não souberam se o que viram era bom, mas prometeram desde o início dos tempos protegerem a América e seu paraíso, o Brasil.

Ilhas de História. Homens andarilhos. Um povo que tinha um paraíso prometido a Leste. Homens conduzidos por promessas divinas e utopias. Os maoris polinésios enfrentaram os perigos do mar… Um mar oceano… Pacífico, porém tão turbulento quanto o mar de Camões, milênios depois. Entoavam cânticos numa língua mágica:

Sa bobo na matana,
Sa Yadra na Lomana.
Sa vei ko qaqa?
Sa laki yara
Sa vei ko datuvu?
Sa Iaki tukutuku.

Os olhos cerrados,
A mente desperta.
Onde está o herói?
Foi ser arrastado (para o mar)
Onde está o covarde?
Foi levar a notícia.

Vieram em suas canoas trocando presentes em formas de colar. Dádivas que geravam dívidas. Dívidas e dádivas que chegaram ao sul da América. América que em sua cosmologia talvez viesse se chamar “Nova Rani”. Rani que na língua dos maoris polinésios significava literalmente “terra de nossos avós”. Os polinésios descobriram uma terra extasiante. Eram novos animais para darem nomes, novas plantas, novas árvores… O novo que impulsiona a vida!

Nessa saga estranha que desafia os cânones da historiografia, não nos espanta que nosso primeiro habitante tenha sido uma mulher de pele ameríndia. Seguindo os passos dela, Luzia, nossos caminhos serão iluminados nessa história ainda sem relato. Os deuses não lidam com o tempo como os humanos. O sétimo dia de Kila e Lono durou milênios. Eles viram em seu “dia-sonho” o florescer de cinco civilizações em terras que hoje conhecemos como Brasil. Em plena Amazônia viveriam os sambaquis, povo que coabitou por milênios o coração da mata, em harmonia com a floresta. No Pará, na ilha mágica do barro viveram os marajoaras, que transmitiam sua sensibilidade atemporal em arte. Da Serra do Roncador, região central do Brasil, Mato Grosso, floresceram os “roncadores”, homens que viviam em sintonia com o sono atemporal de Kila e Lono e que construíram nas rochas elos de história entre si mesmos, seu passado, presente e futuro numa região que é hoje celebrada por ufólogos. Na Serra da Capivara temos uma das civilizações mais antigas da América e lá viveram homens que compartilharam a sabedoria ancestral polinésia. Em todo litoral do Brasil viveram os tupinambás que mesmo em locais tão dispersos falavam um mesmo idioma.  Todos eram povos antropofágicos! Ao se alimentarem de seus inimigos, mantinham vivas suas qualidades e ofertavam suas carnes aos seus deuses. Povos descobridores, heróis de um novo mundo. Um mundo que lhes foi ofertado por seu pai e sua mãe divinos.

Em algum momento, que na cronologia ocidental data o ano de 1492, os deuses Lono e Kila tiveram um grande pesadelo. A terra que eles presentearam como paraíso ao seu povo escolhido, a América, seria invadida pelos brancos. Um cenário apocalíptico transformaria a terra amada num local de sofrimentos, doenças e devastações inauditas a história de amor que o casal de deuses tinha concebido na sua criação. Um breve relato de um povo herdeiro sintetiza a última cena dessa história:

Quando os avistei, chorei de medo. Os adultos já os haviam encontrado algumas vezes, mas eu nunca! Pensei que eram espíritos canibais e que iam nos devorar. Eu os achava muito feios, esbranquiçados e peludos. Eles eram tão diferentes que me aterrorizavam (…) pensávamos que eram seres sobrenaturais voadores que iam cair sobre nós e queimar todos (…) Todas as terras foram criadas em uma única vez, as dos brancos e as nossas, ao mesmo tempo que o céu. Os brancos esqueceram dos deuses e se acharam como eles. Se achavam engenhosos. Foi nesse momento que perderam toda a sabedoria. Os brancos foram criados em nossa floresta por Kila e Lono, mas estes os expulsaram porque temiam sua falta de sabedoria e porque eram perigosos para nós. Eles lhes deram uma terra, muito longe daqui, pois queria nos proteger de suas máquinas, epidemias e armas. Os brancos continuam a mentir para si mesmos pensando que descobriram essa terra! Como se ela estivesse vazia! Como se os seres humanos não a habitassem desde os primeiros tempos! [Relato do índio ianomâmi Davi Kopenawa, “Descobrindo os brancos” in A outra margem do Ocidente]

E o futuro? Que sonhos sonharam os deuses? Que pesadelos tiveram? Os sonhos aos deuses pertencem… cabe-nos a nós contar… trazer a notícia! No´Ole´a ike akua! (“Que os sonhos dos deuses sejam louvados!”)

Author: Carnaval Virtual

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